O carnaval nem chegou a começar para sindicatos e sindicalistas que vinham usado uma interpretação bastante forçada de um trecho da reforma trabalhista para continuar cobrando o “imposto sindical” – um valor descontado anualmente em folha, referente a um dia de trabalho do funcionário – de todos os trabalhadores da categoria, independentemente de serem ou não filiados à entidade. A Medida Provisória 873/19, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira e publicada no mesmo dia, reforça a norma segundo a qual a cobrança só pode ser feita do trabalhador que manifestar expressamente sua intenção de contribuir com o sindicato.
Quando da elaboração da reforma trabalhista, o legislador já tinha demonstrado a intenção de eliminar qualquer cobrança feita contra a vontade do trabalhador. O artigo 611-B, inciso XXVI, da CLT afirma que o trabalhador tem “o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”, deixando evidente que se trata de uma escolha individual, não coletiva. No entanto, outros trechos da reforma trabalhista não foram tão explícitos assim. O artigo 579, por exemplo, diz que “o desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional”.
Se o empregado já manifestou sua intenção de realizar o pagamento, não era necessário burocratizar o processo com a emissão de um boleto
É evidente que uma leitura deste trecho à luz do artigo 611-B e de alguns outros pontos da CLT alterada pela reforma eliminaria quaisquer dúvidas a respeito de como ocorre essa “autorização prévia e expressa”. Mesmo assim, houve sindicatos que buscaram forçar uma brecha, aprovando em assembleias (algumas das quais com participação muito pífia) a cobrança indiscriminada de todos os trabalhadores da categoria e alegando que a decisão configuraria a autorização exigida pelo artigo 579. Foi para coibir esse tipo de situação que Bolsonaro alterou não apenas este artigo, mas outros trechos da CLT, sempre no sentido de deixar o mais claro possível que a iniciativa de contribuir tem de ser do empregado, que manifesta expressamente essa vontade, e que os sindicatos não podem usar assembleias ou convenções coletivas para impor a cobrança a quem não deseje pagar.
O único item desnecessário da MP foi a mudança da forma de pagamento da contribuição, que, em vez de ser diretamente descontada na folha de pagamento, passará a ocorrer por boleto bancário. Se partirmos do princípio de que o empregado já manifestou sua intenção de realizar o pagamento, não era necessário burocratizar o processo com a emissão de um boleto; o desconto automático em folha já cumpriria bem a função, sendo a solução mais simples para todas as partes envolvidas.
Feita esta ressalva, não há dúvidas de que a MP vem para reforçar um princípio adotado na reforma trabalhista, o de que os sindicatos devem ser bancados apenas pelos indivíduos dispostos a contribuir – princípio, aliás, que deveria valer para diversas outras entidades, como os partidos políticos, que hoje se abastecem, via Fundo Partidário, do dinheiro do contribuinte, obrigado a bancar pessoas e projetos dos quais discorda e que até repugna. Com o texto da lei devidamente corrigido para não permitir interpretações errôneas, resta vencer a atitude de procuradores e juízes do Trabalho que, descontentes com o texto da reforma, insistem em atuar baseando-se nas próprias convicções e não no que diz a legislação. Dois casos recentes ocorreram na Justiça do Trabalho em São Paulo, em que um juiz de primeira instância e uma desembargadora decidiram pela cobrança coletiva, aplicada, respectivamente, a trabalhadores de processamento de dados e da construção civil pesada.
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Na decisão que beneficiou o sindicato dos trabalhadores em processamento de dados, o juiz Marcelo Donizeti Barbosa, da 81.ª Vara do Trabalho de São Paulo, ainda mostrou que caminho os sindicatos descontentes provavelmente seguirão: o de tentar condicionar a aplicação de quaisquer conquistas, como aumentos salariais, à filiação ao sindicato. Uma interpretação que viola tanto o artigo 8.º, III, da Constituição quanto o artigo 611 da CLT, textos legais segundo os quais os sindicatos negociam em nome de toda a categoria, não apenas de seus filiados. Essa discussão remete a duas distorções que, mais cedo ou mais tarde, precisarão ser debatidas: o fenômeno do free rider, que consiste em beneficiar-se de algo para o qual não se contribuiu; e a unicidade sindical, também prevista na Constituição e que, ao impedir a concorrência entre entidades sindicais, limita o poder de escolha do trabalhador.
Não há a menor dúvida de que os sindicatos são entidades importantes – até mais que isso: são fundamentais –, dentro do espírito da subsidiariedade, servindo como uma instância intermediária entre patrão e empregado, defendendo e aconselhando o trabalhador, e negociando em seu nome. Quanto mais pessoas reconhecerem esse valor a ponto de, voluntariamente, financiar a entidade que representa sua categoria, melhor. Mas também os sindicatos precisam analisar a maneira como vêm se conduzindo e corrigir posturas que porventura estejam afastando potenciais filiados – por exemplo, alguma atuação sociopolítica que extrapole totalmente os interesses da categoria profissional, ou que os deixe em segundo plano. Tentar forçar brechas inexistentes na lei para forçar o pagamento por parte daqueles que hoje não estão dispostos a tal certamente não é a maneira ideal de conquistar esse apoio.
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