Enquanto o Brasil e outras nações promovem elevações de juros que raramente passam de um ponto porcentual, a Argentina, afundada na crise, aumentou sua taxa básica em 9,5 pontos: a Leliq, o equivalente argentino da brasileira Selic, agora será de 69,50%. E, mesmo assim, os juros continuarão abaixo da inflação acumulada nos últimos 12 meses no país, que em julho chegou a 71%, com perspectivas de fechar o ano de 2022 em 90% - apenas no mês de julho, a inflação foi de 7,4%. A disparada de preços e a incapacidade do governo de agir de forma eficaz para contê-la já custou a cabeça de Silvina Batakis: a protegida da vice-presidente Cristina Kirchner não durou nem um mês à frente do Ministério da Economia, e foi substituída por Sergio Massa, até então presidente da Câmara dos Deputados. Ele tomou posse no dia 3, e agora comanda um “superministério” que também inclui as antigas pastas de Agricultura, Pecuária e Pesca, e de Desenvolvimento Produtivo.
Logo após assumir, em entrevista coletiva, Sergio Massa descartou mais emissão de moeda, aquela que tem sido a saída clássica do populismo argentino para sustentar seu programa de gasto indiscriminado. Sintoma de que o governo perdeu completamente o controle é o fato de, apenas na atual gestão, a dívida pública ter aumentado em US$ 36 bilhões. O valor equivale a 80% dos quase US$ 44 bilhões que o Fundo Monetário Internacional emprestou à Argentina meses atrás, na negociação que enfureceu Cristina Kirchner e colocou o então ministro Martín Guzmán na linha de fogo da vice-presidente. De positivo, há apenas a destacar o fato de que o novo ministro parece compreender como surge a inflação, ao contrário de seu chefe, o presidente Alberto Fernández, que já demonstrou surpresa ao constatar que quanto mais dinheiro entra no mercado, mais os preços sobem.
Já há muito tempo a Argentina precisa de um choque de austeridade muito mais radical que as medidas que vêm sendo tomadas até agora – incluindo a recente alta de juros
O bom propósito de Massa, no entanto, já será colocado à prova com uma medida que ele mesmo anunciou: um reajuste de 15% nas aposentadorias, com um bônus para quem recebe o valor mínimo. O aumento é previsto em lei e ocorre trimestralmente, mas a concessão do adicional é uma decisão do governo. O ministro garantiu que, para elevar as aposentadorias e viabilizar o bônus, não será preciso emitir moeda, porque o dinheiro virá da cobrança antecipada de um imposto sobre os lucros das empresas. Até quando essa tributação será capaz de bancar um aumento que pressionará as contas públicas de forma permanente, no entanto, é algo impossível de prever. Além disso, ainda durante a gestão da antecessora de Massa, o presidente Fernández havia anunciado um pacote que chamou de “Argentina Grande” e cujo eixo central é justamente o gasto público em obras.
Já há muito tempo a Argentina precisa de um choque de austeridade muito mais radical que as medidas que vêm sendo tomadas até agora – incluindo a recente alta de juros. Este foi o grande erro do ex-presidente Mauricio Macri, eleito em 2015 para reconstruir a terra arrasada deixada por 12 anos de kirchnerismo, mas que não atacou o gasto público de forma decisiva, apostando em reformas pequenas demais para o tamanho do problema que se propunham a resolver. Como resultado, a inflação não foi contida e Macri chegou ao fim do mandato promovendo até mesmo controle de preços, na contramão do ideário liberal que pregava quando chegou ao poder.
Olhar para a Argentina neste período eleitoral brasileiro e entender como nossos vizinhos conseguiram deixar de ser um dos países mais ricos do mundo para se tornarem campeões de inflação é essencial. O desastre não ocorre de forma súbita; ele é um processo gradual, que exige governantes nada comprometidos com ordem nas contas públicas e uma população que se deixa seduzir pelo discurso do gasto, sem perceber que uma economia arrumada gera as melhores oportunidades para que as pessoas saiam da pobreza. O Brasil já viveu uma hiperinflação que faria os argentinos de hoje parecerem um exemplo de boa gestão, mas felizmente esse dragão foi vencido quase 30 anos atrás, com o Plano Real; o ajuste fiscal, no entanto, ainda é tarefa que está pela metade. Quem deseja reverter reformas, derrubar ou contornar o teto de gastos, e elevar indiscriminadamente o gasto público talvez não transforme o Brasil em Argentina da noite para o dia, mas certamente recoloca o país em um caminho cujo fim, mais cedo ou mais tarde, é o mesmo de nossos vizinhos.
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