Na semana passada, em encontro com presidentes do Mercosul, Dilma Rousseff apresentou a América do Sul como um oásis de democracia. “Somos uma região que sofreu muito com as ditaduras. Somos uma região onde a democracia floresce e amadurece. No ano passado, houve eleições gerais no Uruguai e no Brasil. Este ano, é a vez da Argentina e da Venezuela. A realização periódica e regular desses pleitos dá capacidade de lidar com as diferenças políticas. Temos de persistir nesse caminho, evitando que as disputas incitem a violência. Não há espaço para aventuras antidemocráticas na América do Sul”, afirmou. E, de fato, os processos eleitorais estão ocorrendo. Sua mera existência levou Lula a dizer, anos atrás, que na Venezuela havia “democracia até demais” – mas eleições, convenhamos, também eram realizadas no Brasil da ditadura militar e no Iraque de Saddam Hussein; até a Coreia do Norte, de Kim Jong-un, acabou de ir às urnas (o fato de alguém poder ser punido por votar nulo ou se abster deve ser um detalhe para o conceito lulista de democracia, tão peculiar).

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A Venezuela realizará eleições parlamentares em 6 de dezembro. Mas, em um “ataque preventivo”, o governo bolivariano vem bloqueando as candidaturas de alguns membros importantes da oposição a Nicolás Maduro. A primeira vítima da Controladoria Geral da Venezuela foi Maria Corina Machado, ex-deputada cassada arbitrariamente em 2014 apenas por ter usado tempo oferecido pelo Panamá em uma sessão da Organização dos Estados Americanos para criticar a repressão chavista a protestos de rua. Depois de Maria Corina, foram inabilitados dois ex-prefeitos: Daniel Ceballos, de San Cristóbal, que se encontra preso; e Enzo Scarano, de San Diego, que também foi detido no ano passado, mas conseguiu a liberdade. Em todos os casos, a Controladoria alega irregularidades tributárias, embora seja evidente a motivação política das inabilitações.

O desrespeito à democracia na Venezuela supera em muito o que ocorreu no Paraguai

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Enquanto isso, outros líderes da oposição, como Leopoldo López e Antonio Ledezma, continuam presos, sem julgamento, e não puderam ser visitados pela primeira delegação de senadores brasileiros que foi a Caracas avaliar a situação venezuelana. Um segundo grupo, formado exclusivamente por senadores simpáticos ao bolivarianismo, incluindo o paranaense Roberto Requião, esteve na Venezuela no fim de junho e não fez questão de encontrar López ou Ledezma, contentando-se em conversar com as mulheres dos opositores. Requião e sua colega Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) apresentaram seu relatório ao Senado na semana passada. Em vez de um país mergulhado na arbitrariedade e no caos político e econômico, os senadores de esquerda viram um “clima de normalidade” na Venezuela – se é que é possível considerar normal um clima carregado com detenções políticas e escassez de produtos básicos nos supermercados – e culparam os oposicionistas presos pelas dezenas de mortes ocorridas durante os protestos contra Maduro.

Diante das claras violações à democracia na Venezuela, um dos integrantes da primeira comissão de senadores, o mato-grossense José Medeiros (PPS), tomou a iniciativa de pedir que o Congresso brasileiro revogue a aprovação à entrada da Venezuela no Mercosul. Medeiros, que publicou artigo na edição de terça-feira, dia 21, da Gazeta do Povo, alega, com razão, que o governo de Maduro violou as cláusulas democráticas que são condição para que um país pertença ao bloco econômico. Foi com essa justificativa que Brasil, Argentina e Uruguai se juntaram, em 2012, para suspender o Paraguai após o impeachment de Fernando Lugo. Convenientemente, abriram dessa forma o caminho para a adesão venezuelana, pois o Paraguai era o único país cujo Legislativo barrava as pretensões de Hugo Chávez, apoiadas por Dilma, Cristina Kirchner e José Mujica. Ora, o desrespeito à democracia na Venezuela supera em muito o que ocorreu no Paraguai. Há motivo mais que suficiente para uma suspensão ou mesmo a exclusão.

Quando alguns países da América do Sul decidiram fundar um bloco e nele incluíram cláusulas democráticas, eles se tornaram corresponsáveis pela manutenção da democracia em seus vizinhos. Fechar os olhos ao autoritarismo venezuelano é se omitir, deixando um povo à mercê de ditadores e se escondendo atrás da mais cínica das desculpas, a da “não intromissão em assuntos internos”, muleta conveniente quando se trata de afagar os companheiros de ideologia, mas que aparentemente não conta muito quando se trata de punir quem não compartilha do credo bolivariano.