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editorial

O ministro e as empreiteiras

A notícia de que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, andou recebendo advogados de empreiteiras sob investigação na Operação Lava Jato desencadeou uma enxurrada de reações intensas. O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, pediu a demissão do ministro. “Nós, brasileiros honestos, temos o direito e o dever de exigir que a presidente Dilma demita imediatamente o ministro da Justiça”, escreveu no Twitter. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, assinou nota defendendo Cardozo. “O advogado possui o direito de ser recebido por autoridades de quaisquer dos poderes para tratar de assuntos relativos à defesa do interesse de seus clientes”. O juiz federal Sérgio Moro, que cuida das investigações da Lava Jato, centrou fogo na iniciativa dos advogados e disse ser “intolerável que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas, em total desvirtuamento do devido processo legal”, recebendo o respaldo da Associação dos Magistrados Brasileiros.

Justamente quando as autoridades precisam colocar ainda mais esforço em conduzir seus assuntos da maneira mais transparente possível, Cardozo não o faz e, quando flagrado, não admite que agiu mal, cometendo um segundo erro ao tentar se desviar do primeiro

Em um aspecto o presidente da OAB e o próprio Cardozo, ao se defender, têm razão: o ministro é uma autoridade, sua pasta abrange a Polícia Federal e, nessa condição, não há crime ou irregularidade em ser procurado e abrir as portas de seu gabinete às empreiteiras que eventualmente estejam descontentes com a maneira como a PF vem agindo na Lava Jato. É obrigação de cada advogado defender seus clientes, o que é bem diferente de pedir favores ou fazer pressão política.

Realmente importante é saber como o ministro reagiu ao que lhe foi passado: se ouviu demandas razoáveis, ele as atendeu ou as ignorou? Se lhe pediram favores, foram concedidos ou negados? Se recebeu pressão, curvou-se ou resistiu? É aqui que ainda paira um grande mistério – que talvez nunca vejamos desvendado – sobre o que realmente foi dito nesses encontros. Segundo versões publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo e pela revista Veja, o ministro teria afirmado aos advogados: que a Lava Jato sofreria uma reviravolta depois do carnaval; que haveria políticos da oposição citados no inquérito, indicando uma futura pizza; que o governo ajudaria as empreiteiras no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ); e que as empresas não deviam assinar acordos de delação premiada. Se Cardozo realmente fez qualquer uma dessas afirmações aos advogados – o que certamente nenhum dos envolvidos admitiria em público –, terá cometido uma gravíssima irregularidade, seja divulgando informações que até agora são sigilosas, seja interferindo nos rumos da investigação da Lava Jato, e o pedido de Joaquim Barbosa estaria plenamente justificado. Oxalá não tenha sido esse o conteúdo das conversas.

De qualquer forma, ainda que os diálogos tenham sido perfeitamente republicanos, Cardozo cometeu um erro grave, que abre, sim, o flanco para questionamentos à integridade do ministro: esses encontros não constavam da sua agenda pública – como quando recebeu advogados das empreiteiras UTC e Camargo Corrêa – ou constavam de forma enviesada, a exemplo da reunião com representantes da Odebrecht no último dia 5, classificada apenas como “visita institucional”, embora o próprio ministro tenha dito recentemente que o assunto era a Lava Jato. No caso da UTC, a versão dos envolvidos é a de que o advogado Sérgio Renault só apareceu na Esplanada dos Ministérios porque havia combinado um almoço com o ex-deputado petista Sigmaringa Seixas. Como Seixas tinha ido visitar Cardozo, que ponto de encontro seria melhor que a antessala do gabinete do ministro? Para o país aceitar que tudo o que houve foi uma feliz coincidência, seria necessária uma dose cavalar de credulidade.

A falta de transparência – que, aliás, não ocorre apenas no caso das reuniões com empreiteiras: levantamento da Folha de S.Paulo descobriu que a agenda de Cardozo foi um mistério em mais de um terço do tempo decorrido desde o início da operação contra a roubalheira na Petrobras – é incontestável. A mera suspeita de falta de lisura na conduta de um ministro já seria ruim em qualquer situação, mas, dadas as dimensões do petrolão e a possibilidade de que as denúncias cheguem aos altos escalões da República, ela se torna sumamente grave. Justamente quando as autoridades precisam colocar ainda mais esforço em conduzir seus assuntos da maneira mais transparente possível, Cardozo não o faz e, quando flagrado, não admite que agiu mal, cometendo um segundo erro ao tentar se desviar do primeiro. Tempos complicados estes, em que o governo embaçou tanto as fronteiras entre o certo e o errado que muitos já nem são capazes de encontrar critérios sólidos de moralidade.

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