Os candidatos à Presidência da República não terão desculpa este ano para se omitir quando o assunto é infraestrutura viária. Depois do estudo da Confederação Nacional do Transporte sobre a influência da manutenção das estradas nos acidentes ocorridos em rodovias federais, é a vez de a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgar dados assombrosos sobre a malha ferroviária nacional. Em um país onde as ferrovias poderiam ajudar a desfazer a enorme dependência do modal rodoviário no transporte de cargas e passageiros, os trilhos ociosos serviriam para ligar São Paulo a Nova York em linha reta.
“Transporte ferroviário: colocando a competitividade nos trilhos” usa dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e mostra que 30,6% da malha ferroviária brasileira está abandonada: são 8,6 mil quilômetros de estradas de ferro. Desse total, 6,5 mil quilômetros não têm nem sequer condições para a circulação de trens, necessitando de reformas para que pudessem voltar a ser usados. O estudo ainda traz outros dados que mostram o grau de subutilização e desperdício do potencial ferroviário brasileiro: entre 2006 e 2013, somente 7,6% dos recursos investidos na malha se destinaram à sua expansão; em 2017, 77% do transporte de carga por ferrovias consistia unicamente em minério de ferro, contra 60% em 2001; e apenas 8% da malha opera em um regime compartilhado, em que os trens de uma concessionária trafegam nos trilhos de outra, o chamado “direito de passagem”.
É preciso que haja maior protagonismo da iniciativa privada, maior abertura à competição e diversificação das cargas
A CNI identificou a origem dos problemas nos termos das concessões, elaborados na década de 90, quando o país ainda tinha pouquíssima experiência na elaboração desse tipo de contrato. O resultado é uma operação deficiente, e que ainda vai se estender por mais dez anos até que os contratos atuais expirem. Por isso, a CNI recomenda, no estudo, a prorrogação antecipada dos contratos, condicionada a novas exigências para as concessionárias, como porcentuais mínimos de investimento em melhoria e ampliação da rede, e aumento da concorrência por meio de exigências de compartilhamento de malha.
No caso das rodovias, o governo federal chegou a considerar a hipótese de prorrogar concessões, mas recuou: a MP 800, de setembro do ano passado, permitiu uma renegociação do cronograma de obras, mas dentro do prazo original de concessão. A situação das ferrovias é mais dramática, e a essa altura está claro que os contratos firmados 20 anos atrás não foram feitos de forma a garantir expansão e manutenção satisfatórias da malha. A prorrogação já tinha sido sugerida pela Fundação Getulio Vargas, tem a simpatia do governo federal e também é demanda das próprias concessionárias; o Tribunal de Contas da União (TCU) já vem analisando a possibilidade. O risco, aqui, é o de aditivos pouco claros que levem a uma judicialização daqui a alguns anos – algo semelhante ao imbróglio quase incontornável que aflige as concessões de rodovias do Anel de Integração paranaense.
Independentemente da discussão sobre a prorrogação dos atuais contratos, a CNI recorda que, para a malha ferroviária brasileira voltar a crescer, é preciso que haja maior protagonismo da iniciativa privada (entre as sugestões está a dissolução da estatal Valec, que opera seis ferrovias, incluindo a Norte-Sul), maior abertura à competição e diversificação das cargas. As vantagens da ferrovia sobre o modal rodoviário já foram largamente comprovadas, e não há explicação razoável para que o país não direcione esforços à reconstrução de sua malha férrea.