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Editorial

O misterioso sumiço do “kit gay”

 | Rovena Rosa/Agência Brasil
(Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Na semana passada, o ministro Carlos Horbach, do Tribunal Superior Eleitoral, determinou que a campanha de Jair Bolsonaro retirasse do ar algumas menções ao “kit gay”, como ficou conhecido o conjunto de materiais didáticos oficialmente chamado de “Escola Sem Homofobia”, elaborado pelo governo federal quando Fernando Haddad, hoje adversário de Bolsonaro no segundo turno, era ministro da Educação do governo Lula. Bolsonaro havia – erroneamente – associado um livro específico, Aparelho sexual e cia., ao “kit gay”, o que levou ao questionamento que a Justiça Eleitoral acolheu. A blogosfera petista imediatamente divulgou a notícia como se o TSE havia declarado que o “kit gay” jamais tinha existido, alegação que ganhou eco até mesmo em outros veículos de imprensa sem alinhamento ideológico.

Essa interpretação da decisão do TSE é uma grotesca falsidade, como reconheceu o próprio Horbach na quarta-feira passada em outra decisão; afinal, o ministro proibiu única e exclusivamente que a campanha de Bolsonaro associasse o livro Aparelho sexual e cia. ao “kit gay”. Tanto é assim que Horbach negou um outro pedido feito pelo PT para que Bolsonaro não pudesse nem mesmo usar a expressão “kit gay” em referência ao Escola Sem Homofobia. “Os representantes buscam impedir que o candidato representado chame o material didático do projeto ‘Escola sem Homofobia’ de ‘kit gay’. Tal pretensão, caso acatada pelo Poder Judiciário, materializaria verdadeira censura contra o candidato representado”, escreveu o ministro.

Os militantes entrincheirados no MEC não se deixaram abater com o fim do “kit gay” e seguiram tentando impor suas ideias

Daí a irresponsabilidade que move quem agora alega que nunca houve um “kit gay”. Qualquer busca em arquivos on-line mostra que não apenas o Escola Sem Homofobia realmente existiu – consistindo de uma cartilha e três vídeos cujos conteúdos estão inclusive disponíveis na internet – como era amplamente chamado de “kit gay” por praticamente toda a imprensa. Foi elaborado pelo Ministério da Educação na gestão Fernando Haddad, com financiamento obtido por meio de emenda parlamentar da então deputada petista Fátima Bezerra, e era dirigido a alunos dos ensinos fundamental (a partir do 6.º ano) e médio. Quando parlamentares contrários à iniciativa tornaram o caso público, já na gestão Dilma Rousseff, a presidente resolveu suspender a elaboração e a distribuição do material, sendo duramente criticada pelas entidades do movimento LGBT.

O conteúdo elaborado pelo MEC estava longe de se limitar ao objetivo – correto, é preciso dizer – de combater a discriminação contra estudantes homossexuais. O material atacava o que chamava de “visão heteronormativa da sexualidade”, desrespeitava convicções religiosas a respeito do tema e trazia vários conteúdos em defesa da ideologia de gênero, a teoria que nega a realidade biológica da complementariedade entre homem e mulher para tratar a identidade de gênero como mera construção social. É natural que isso tenha causado indignação entre a população, àquela época e neste período eleitoral. Por isso, surpreende que alguns veículos de comunicação, que haviam adotado o termo “kit gay” em suas reportagens ao longo de 2010 e 2011, agora ignorem a existência do material, ou, quando isso não é possível, a sua autoria. 

Curiosamente, convém bastante para a campanha de Fernando Haddad que toda a discussão fique restrita ao “kit gay”, já que este acabou não sendo distribuído, e ao livro Aparelho sexual e cia., que teve meros 28 exemplares adquiridos pelo Ministério da Cultura para bibliotecas públicas (e não escolares), porque isso dá a impressão de que a voracidade dos defensores da “desconstrução da heteronormatividade” e da ideologia de gênero não era tão grande assim. A verdade é que, durante as gestões petistas, o Ministério da Educação se tornou obcecado pelo tema, e a suspensão do “kit gay” foi apenas uma derrota menor diante de todo o esforço que o ministério continuou a colocar para lançar tais temas no currículo escolar, em flagrante violação ao direito dos pais de proporcionar a seus filhos uma educação moral de acordo com suas convicções.

Nem mesmo a mudança de governo, com o impeachment de Dilma Rousseff, sossegou os militantes com que o petismo havia aparelhado o MEC, pois eles tentaram, até o último momento, emplacar a ideologia de gênero na Base Nacional Curricular Comum, após as derrotas colecionadas em Legislativos de todo o país, do Congresso às câmaras de vereadores, quando das votações dos planos Nacional, estaduais e municipais de Educação – felizmente, o governo teve bom senso ao publicar a última versão da BNCC. Por isso, ainda que Bolsonaro tenha errado em associar um determinado livro ao material do MEC, seu alerta sobre as tentativas de atropelar a autoridade familiar em um tema tão delicado permanece mais válido que nunca, e as tentativas de minimizá-lo, inclusive dentro da imprensa, são de uma enorme irresponsabilidade.

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