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Editorial

O motim e a anistia

 | Tânia Rêgo/Agência Brasil
(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Mesmo após uma decisão judicial dirigida às mulheres de policiais militares, ordenando que elas saiam da frente dos batalhões e permitam que os PMs voltem às ruas no Espírito Santo, o motim continua, deixando principalmente nas mãos de guardas municipais, Forças Armadas e Força Nacional de Segurança o trabalho de manter alguma ordem no estado. Mas o governo estadual já tomou uma atitude que deve servir de exemplo: anunciou que mais de 700 militares foram indiciados por crime de revolta – como os militares são constitucionalmente proibidos de fazer greve, ações como as que ocorrem no Espírito Santo são, na prática, um motim. Os PMs que forem condenados a mais de dois anos de prisão terão de deixar a corporação.

O governador licenciado Paulo Hartung (PMDB) falou duro a respeito dos policiais. Além de negar alguns dos dados apresentados pelos PMs – por exemplo, mostrou que a polícia capixaba é a décima mais bem paga do país, e afirmou que, nos últimos anos, os PMs tiveram aumentos que variaram de 38% a 50% –, ele classificou de “chantagem” e “covardia” o motim policial. Termos fortes, mas que têm sua razão de ser. O trabalho das forças de segurança, como a Polícia Militar, é essencial para a manutenção da lei e da ordem. Não pode ser simplesmente suprimido ou interrompido – nem mesmo no sistema de contingente reduzido, como costuma ocorrer em greves em serviços essenciais –, pois sem ele reina a anomia completa.

Ao cruzar os braços, os policiais negam a razão de ser de sua corporação

Ao cruzar os braços, os policiais negam a razão de ser de sua corporação, o famoso “servir e proteger”, pois a sociedade fica desprotegida, à mercê dos bandidos. Os PMs sabem disso, e por isso não é exagero afirmar que, quando ameaçam parar, usam a sociedade como refém de seus interesses salariais e corporativos. A mera possibilidade de interrupção no trabalho policial já é suficiente para causar apreensão e pânico entre a população, como se verificou em outros estados depois do movimento ocorrido no Espírito Santo.

No entanto, o discurso duro e as ações do governador capixaba correm o risco de se tornarem inócuos. Como lembrou o colunista Elio Gaspari, entre 2011 e 2016 foram aprovados, no Congresso Nacional (que tem sua parcela de parlamentares egressos das forças de segurança), dois projetos de lei para anistiar policiais e bombeiros amotinados em 33 ocasiões. Em ambos os casos, o PMDB de Paulo Hartung apoiou os projetos. É justamente esse tipo de artimanha que permite a ocorrência de novos motins como o do Espírito Santo. Se a justa condenação dos amotinados do passado fosse mantida, os militares do presente pensariam mais vezes antes de concretizar planos de paralisação, ainda mais nesses tempos de desemprego alto – os policiais, como os demais funcionários públicos concursados, não precisam temer este mal, o que já é uma enorme vantagem na comparação com os demais brasileiros. Mas, se a possibilidade de expulsão em caso de motim for real, ela age como um freio para impedir ações inconsequentes.

Todo esse episódio mostra como a lei vale pouco no Brasil. A Constituição proíbe a greve de militares, mas eles desafiam até mesmo a Carta Magna em nome dos seus interesses. Uma vez configurado o motim, a lei prevê as devidas punições, mas os próprios legisladores se encarregam de fazer dela letra morta, aprovando anistias. Essa desmoralização é ideal para que floresça todo tipo de movimento baseado no desrespeito completo aos direitos dos demais, método que, neste ambiente de confusão completa, passa a ser visto até mesmo como legítimo por muitos, mas que esconde ameaças sérias à democracia.

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