O projeto de lei que prevê contratação de funcionários públicos com ficha limpa pode até fazer parte de discurso pré-eleitoral. Mas representa um avanço
Depois de um longo período em que predominou a mais absoluta lassidão em seus usos e costumes, a Câmara Municipal de Curitiba aprovou em primeiro turno um projeto de autoria do Poder Executivo que proíbe a nomeação para cargos comissionados na prefeitura de pessoas que não atendam aos pressupostos da "ficha limpa" isso é, que tenham sido condenadas em segunda instância por crimes de improbidade administrativa. Chama a atenção especialmente o fato de que, por proposta dos próprios vereadores, tenha sido introduzida ao projeto original emenda que estende ao âmbito do Legislativo a mesma restrição, assim como aos cargos de Procurador-Geral do município e secretários.
Bom sinal? Esta súbita disposição traduz de fato a reta intenção de instaurar um novo tempo marcado pelo respeito aos princípios constitucionais que devem reger a administração pública, principalmente no que tange a impessoalidade e a moralidade? Ou seria, nesta antevéspera de eleições, apenas uma providência oportunista para mascarar o profundo desgaste que sofrem nossos vereadores em razão da enxurrada de denúncias de que foram alvo?
Para quem encontra fartos motivos para devotar aos políticos o mais profundo descrédito, a segunda alternativa parece se aproximar mais da verdade do que a primeira. Coloquemos, no entanto, óculos de Pangloss o otimista personagem de Voltaire em sua magistral obra Cândido e vejamos a iniciativa do prefeito e dos vereadores em cor-de-rosa. Suplantemos o pessimismo generalizado e admitamos que a "ficha limpa" municipal é de fato fruto de um sincero desejo de impor freios aos desvios éticos que vergonhosamente permeiam as estruturas públicas.
Embora a opinião pública pareça já anestesiada e insensível às dores que a corrupção causa à sociedade, não é demais imaginar que também os políticos se vejam sinceramente impelidos a tomar medidas de contenção e de impor controles mais rígidos para estancar a cornucópia por onde escoam irregularmente vultosos recursos do erário. Pois já não é possível nem razoável que dia após dia nos vejamos diante de denúncias cada vez mais graves.
Exigir que provem ser "ficha limpa" os servidores que se pretende contratar é um bom caminho. Trata-se de uma ação preventiva que certamente influirá, no médio e longo prazos, para que o serviço público seja prestado somente por pessoas de passado supostamente honesto. Entretanto, diante de outros usos e costumes tão próprios deste país, dentre os quais se destaca a impunidade, a simples exigência de não haver condenação em segundo grau não se converte em garantia absoluta de que, enfim, alcançaremos o desejável grau de higidez na administração.
A morosidade da Justiça, a infinidade de recursos processuais que podem ser manejados, as dificuldade investigação e de comprovação dos delitos, o tráfico de influência e interesses políticos ocasionais tudo isso se transforma em fator de sobrevivência de tantos administradores que não mereceriam ocupar cargos públicos. Sobram exemplos neste sentido Brasil afora, em todas as instâncias. É até desnecessário citá-los.
Assim, mais importantes que as leis de "ficha limpa" que agora se aprovam aqui e acolá em todos os estados, é vencer a impunidade, o maior dos males nacionais.