Embora raros, lampejos de bom senso surgiram no horizonte; apesar de tênues, têm potencial para mudar costumes encalacrados na administração pública brasileira. Trata-se da aprovação pelo Congresso, e sanção pelo presidente interino Michel Temer, da Lei das Estatais: dispositivo destinado a conter o aparelhamento das diretorias de empresas públicas, valiosas moedas de troca que o Executivo – em vários governos, mas especialmente durante a temporada lulopetista no Planalto – usava para comprar apoios político-partidários.
Tanto o aparelhamento puro e simples quanto o uso desses cargos como moeda de barganha política contam a história da bancarrota das nossas mais importantes estatais, como a Petrobras, os Correios e tantas outras. Nelas se instalaram diretores mais empenhados em desviar recursos públicos para seus protetores, em conluio com grandes empreiteiras, do que em gerir com competência e honestidade as companhias colocadas sob suas mãos. O resultado, além do incalculável prejuízo moral que a Operação Lava Jato desvenda a cada dia, não poderia ser outro senão o de reduzir a capacidade produtiva, desorganizar a economia e contribuir para a recessão e o desemprego.
O aparelhamento e o uso de cargos como moeda de troca explicam a bancarrota das nossas mais importantes estatais
A Lei das Estatais pretende fechar as porteiras do aparelhamento infinito da máquina pública ao restringir as indicações para presidência, diretorias e conselhos das empresas exclusivamente a pessoas com conhecimento, experiência técnica e comprovada eficiência administrativa. O que, com sinal trocado, significa, em tese, que a estes postos estratégicos não terão acesso os apaniguados e os servis escolhidos por senhores interessados em ampliar o poder político ou se locupletar de fortunas ilícitas.
A intenção é estabelecer os primeiros critérios de mérito, salvo aqueles cujos acessos são regidos por concurso, para a definição de gestores. Nada mais republicano – no autêntico sentido da res publica –, portanto, num país que se viu vítima de terra arrasada em decorrência do desrespeito e do assalto à coisa pública, numa nação conhecida pela habilidade com que as leis servem para ser violadas. Desta forma, convém que vejamos a elogiável Lei das Estatais como um passo importante para a melhoria qualitativa e moral da governança pública.
Passo importante, mas não necessariamente o instrumento definitivo e infalível para o resgate definitivo da ordem meritocrática. Afinal, olhos ambiciosos certamente continuarão à caça das oportunidades de poder e do dinheiro farto e fácil da esfera pública, como, aliás, se tornou claro quando a Câmara dos Deputados introduziu infinidade de emendas ao projeto original do Senado e que, de tantas brechas arquitetadas, desfiguravam por completo o seu espírito. Felizmente, ao voltar à votação no Senado e à sanção presidencial, fez-se o retorno ao bom caminho, com algumas concessões que não chegaram a desvirtuá-lo.
O que é lastimável é que o país ainda precise de leis para definir o óbvio, para fazer valer o que o simples bom senso recomendaria. E ainda mais: é lamentável que ainda precisemos de uma lei para reafirmar aquilo que a Lei Maior, a Constituição, já define claramente em seu artigo 37, onde estão inscritos os princípios que devem reger a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
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