O Congresso Nacional aprovou, em 19 de dezembro, o orçamento do governo federal para 2019. Qualquer análise sobre as contas deve partir da compreensão dos detalhes técnicos da peça orçamentária, sob pena de tirar conclusões erradas, imprecisas e sem lógica, como vem ocorrendo em declarações públicas de políticos experientes. É sabido que o orçamento é um demonstrativo de receitas e despesas, e que a diferença entre ambas é um superávit ou um déficit. O problema começa quando a expressão “receitas” se refere à soma de coisas diferentes, que exigem separação e interpretação técnica para que a conclusão signifique algo que faça sentido. Isso vem acontecendo com as receitas totais no orçamento da União para 2019, estimadas em R$ 3,38 trilhões.
Ocorre que sob a rubrica “Receitas” estão lançadas duas entradas de dinheiro de origens e lógicas diferentes. Uma é a das chamadas “Receitas Primárias Líquidas”: o dinheiro arrecadado pelo governo em tributos, aluguéis e dividendos das empresas das quais participa. A outra é a entrada de dinheiro como “Receitas Financeiras”, que incluem os novos empréstimos tomados pelo Tesouro Nacional e o recebimento de dívidas de pessoas e empresas para com o governo. Nos R$ 3,38 trilhões sob o título de Receitas Totais estão as Receitas Primárias Líquidas, no valor de R$ 1,31 trilhão – este é o dinheiro que governo tem como suas receitas correntes e regulares para pagar os investimentos (infraestrutura física, infraestrutura social, obras administrativas e outras), os programas de transferência de renda (Bolsa Família, seguro-desemprego etc.) e os serviços públicos (defesa nacional, segurança pública, educação, saúde etc.), aí incluídos, é claro, os salários dos servidores civis e militares da ativa ou aposentados da União.
O problemático panorama financeiro do orçamento de 2019 permite deduzir que há risco de elevação da inflação
As Receitas Totais atingem o valor de R$ 3,38 trilhões porque nelas estão incluídas, entre outras, as operações de crédito (empréstimos tomados) no valor de R$ 1,42 trilhão, cujo destino é o pagamento de dívida antiga a vencer em 2019 e os respectivos juros da dívida bruta da União. Portanto, comparar qualquer gasto público com o total de receitas de R$ 3,38 trilhões, como alguns políticos fizeram em entrevistas, não faz sentido algum. O principal ponto a ser observado no orçamento da União está no total de Receitas Primárias Líquidas (R$ 1,31 trilhão), nas Despesas Primárias Líquidas (R$ 1,55 trilhão) e no déficit primário de R$ 139 bilhões resultante da diferença entre esses dois valores. Aqui está o principal e mais grave problema das contas federais de 2019.
A dívida bruta do setor público imporá, a título de juros relativos a 2019, o valor de R$ 325 bilhões. O resumo de tudo isso pode ser expressado por um raciocínio simples: o aumento da dívida pública no ano que vem será o equivalente aos juros incidentes em 2019 (R$ 325 bilhões) mais o déficit primário (R$ 139 bilhões), ou seja, R$ 464 bilhões, que é o valor do chamado “déficit nominal”. Esse quadro está no contexto da previsão de que o Produto Interno Bruto (PIB) do próximo ano atingirá R$ 7,44 trilhões, resultado de um crescimento estimado de 2,5%. Ou seja, mesmo num quadro de bom crescimento do PIB, as contas do governo estão desequilibradas, sendo que as previsões do orçamento poderão piorar a partir dos efeitos dos aumentos salariais autorizados pelo parlamento e pelo Supremo Tribunal Federal nas últimas semanas do ano.
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O problemático panorama financeiro do orçamento federal de 2019 permite deduzir que há risco de elevação da inflação, principalmente porque a soma de déficit fiscal primário mais dívida governamental elevada provoca aumento da taxa de juros e insuficiência de poupança nacional para suprir os fundos bancários disponíveis para empréstimos ao setor privado. Se o crescimento de 2,5% no PIB do próximo ano efetivamente se concretizar, haverá aumento do nível de emprego e do consumo dele derivado, fatos que, adicionados ao elevado déficit público, acabam por pressionar a inflação para cima. Embora a inflação esteja em níveis baixos, entre outras razões pelos efeitos da recessão e do elevado desemprego, não se pode subestimar o risco de a inflação subir e, por isso mesmo, corroer o poder de compra dos assalariados e prejudicar o crescimento de que tanto o país precisa. Cabe ao novo governo dizer como pretende gerenciar esse difícil mosaico de problemas.
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