No começo de dezembro, a memória história curitibana sofreu outro de tantos baques recentes: o Palácio Belvedere, construído em 1915, foi parcialmente destruído por um incêndio. A construção não tinha apenas enorme valor arquitetônico, por ser o principal expoente do art nouveau na capital paranaense, mas também histórico: erguido para ser um mirante, foi também sede da primeira rádio do Paraná (a PRB-2), observatório astronômico da Faculdade de Engenharia do Paraná e sede da União Cívica Feminina Paranaense. Mais recentemente, estava cedido à Academia Paranaense de Letras (APL).
O incêndio foi o ataque mais grave ao Belvedere, que também era alvo constante de vandalismo e pichações – as fotos do prédio após a ação dos bombeiros para controlar as chamas mostram paredes cobertas de rabiscos – apesar do tombamento como Patrimônio Histórico Estadual em 1996 e do status de Unidade de Interesse Especial de Preservação. Mas de nada adiantam esses títulos se não há um efetivo cuidado do local: e, no caso do Belvedere e de outras construções icônicas, elas estarão melhor mantidas quanto mais forem ocupadas e se tornarem espaços de convivência para os cidadãos.
Se há a possibilidade de preservar as construções originais, não se pode economizar esforços
Infelizmente, não era o caso do Belvedere, fechado havia três anos – e, nestes casos, é inevitável um jogo de empurra entre autoridades. O prefeito Rafael Greca culpou a demora da liberação da Divisão de Patrimônio Histórico estadual para um projeto de autoria do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). O presidente da APL endossou as críticas, afirmando que o governo estadual tinha exigido uma restauração completa do prédio, em vez da reforma que o Sesc poderia fazer para instalar um café-escola no local. A Coordenação do Patrimônio Cultural rebateu afirmando que já tinha concedido autorizações e pareceres favoráveis em 2015 e 2017. No meio de todas essas idas e vindas, o Belvedere murchava, sem ser usado pela população.
Antes do Belvedere, um outro incêndio já havia destruído a Casa Erbo Stenzel, no Parque São Lourenço, em junho deste ano. Construída em 1928 e nomeada em homenagem a seu morador mais ilustre, a casa era a principal construção em tábuas e ripas de madeira de araucária da cidade. Para piorar, a parte não afetada pelo incêndio foi sumariamente demolida – enquanto o diretor da Fundação Cultural de Curitiba (FCC) dizia à Gazeta do Povo que a discussão sobre o futuro da casa ainda seria feita, as máquinas já estavam derrubando o restante da casa, em uma ação criticada por diversos especialistas em patrimônio histórico. Nem mesmo o coordenador da Comissão de Segurança de Edificações e Imóveis (Cosedi) soube dizer quem havia autorizado a demolição.
Dias atrás, em entrevista à Tribuna do Paraná, Greca fez pouco da construção. “O importante é que a obra do Erbo Stenzel eu salvei. Agora, a casa onde viveu não tem a menor importância”, disse, argumentando que ela poderia ser refeita exatamente como era. É verdade que a reconstrução de locais icônicos, nos mesmos moldes do original, é prática corrente – o fato de o Shakespeare’s Globe, em Londres, ser uma construção inaugurada em 1997, em vez do teatro elizabetano original do século 17, não lhe tira interesse, por exemplo. Mas nem por isso diríamos que o prédio demolido em 1644 “não tem a menor importância”. Se há a possibilidade de preservar as construções originais, não se pode economizar esforços, o que mostra como foi infeliz a frase do prefeito.
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Da mesma forma, diversas outras construções históricas de Curitiba estão abandonadas, entregues ao vandalismo e servindo como ponto para uso de drogas – o caso de divulgação mais recente é o do número 407 da Rua Riachuelo, que já foi residência de famílias tradicionais paranaenses e de sobreviventes do Holocausto. O casarão está na lista de Unidades de Interesse de Preservação do Ippuc, e aqui reside um problema: quando se trata de um imóvel particular, o poder público declara seu interesse histórico, mas a lei joga nas mãos do proprietário todo o ônus – inclusive financeiro – da preservação do local, impedindo qualquer mudança significativa. Assim, tendo suas possibilidades de explorar o imóvel bastante reduzidas, proprietários optam por abandoná-lo à deterioração. O caso da Rua Riachuelo e vários outros mostram que esse arranjo está tão condenado quanto as casas que ele pretende preservar.
Modelos engessados de preservação, descaso governamental e jogo de empurra entre esferas do poder público e órgãos administrativos estão custando caro a Curitiba e ao Paraná, que veem sua memória histórica e arquitetônica desaparecendo aos poucos, vítima de incêndios, vandalismo e incompetência. A preservação dos prédios históricos passa pela colaboração entre proprietários, comunidade local e poder público, cada um dentro de suas atribuições, para fazer desses locais áreas de convivência, sem desfigurá-los, mas também sem inviabilizar sua exploração com restrições descabidas.
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