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Editorial

O arbítrio na repressão ao 8 de janeiro atinge o parlamento

O deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), em foto de setembro de 2023. (Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

A caça às bruxas empreendida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra os supostos envolvidos no 8 de janeiro entrou em uma nova fase nesta semana. Não contente em mandar prender e condenar pessoas cujo único “crime” comprovado foi o de estar no lugar errado, na hora errada e na companhia errada, negando-lhes o direito à ampla defesa e abolindo a necessidade de individualização da conduta, Moraes agora mira um parlamentar sem ter nenhuma base sólida para tal. Na manhã de quinta-feira, agentes da Polícia Federal estiveram na residência e no gabinete do deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), líder da oposição na Câmara. Levaram R$ 1 mil, uma arma e o celular do parlamentar.

Tudo o que a Procuradoria-Geral da República tinha para pedir a Moraes o mandado de busca e apreensão era uma troca de mensagens entre Jordy e manifestante chamado Carlos Victor de Carvalho, descrito pela PGR como uma “liderança da extrema direita” na cidade fluminense de Campos dos Goytacazes. Em 1.º de novembro de 2022, Carvalho enviou a Jordy uma mensagem na qual dizia “Bom dia, meu líder. Qual direcionamento você pode me dar? Tem poder de parar tudo”, em referência a bloqueios realizados por caminhoneiros em estradas brasileiras. O deputado responde simplesmente “Fala irmão, beleza? Está podendo falar aí?”, e Carvalho afirma “Posso irmão. Quando quiser pode me ligar”. Contra Jordy há nada mais que isso e o fato de ele ter entrado em contato com Carvalho em meados de janeiro de 2023, quando o manifestante já tinha contra si um mandado de prisão.

Se o que a PGR tem em mãos é apenas o que consta da decisão de Moraes que autorizou a operação contra o deputado, estamos diante de uma pirueta lógica tão impossível quanto abusiva

É evidente que nenhum parlamentar está acima da lei; havendo indícios de que um político com mandato eletivo tenha agido como instigador ou orientador dos atos de 8 de janeiro, nada mais lógico que investigá-lo. Mas, se o que a PGR tem em mãos é apenas o que consta da decisão de Moraes que autorizou a operação contra o deputado, estamos diante de uma pirueta lógica tão impossível quanto abusiva, ao hiperanabolizar a expressão “meu líder” e criar nexos causais onde eles não existem. No máximo, as mensagens poderiam dar a entender que o parlamentar talvez tivesse alguma influência sobre os bloqueios nas estradas do norte fluminense, mas não sobre o 8 de janeiro. E os bloqueios, embora antidemocráticos por violarem o direito de ir e vir dos demais – uma posição que a Gazeta do Povo já repetiu à exaustão –, estão muito longe de constituir qualquer tentativa de golpe de Estado ou abolição do Estado Democrático de Direito.

Este é o mesmo modus operandi usado contra o casal que teria hostilizado Moraes no aeroporto de Roma e contra os empresários participantes de um grupo de WhatsApp, todos colocados no balaio dos “golpistas” e submetidos a medidas abusivas e desproporcionais. Uma delas é a apreensão de aparelhos eletrônicos, dando margem a uma possível pesca probatória que, agora, poderá ser empregada também contra Jordy, já que a Polícia Federal está em posse de seu telefone celular e terá acesso inclusive a conversas de outra natureza, que podem revelar estratégias políticas da oposição ao governo Lula. Tudo isso, ressalte-se, sem nenhum indício concreto da prática de nenhum crime, em todos os três casos.

Como bem lembrou o ex-deputado e colunista da Gazeta do Povo Deltan Dallagnol, a operação contra Jordy também é bastante conveniente a Moraes para que ele se esquive das críticas feitas até agora sobre o fato de o STF ter julgado apenas cidadãos comuns que nem deveriam estar nas mãos da corte suprema, mas de um juiz de primeira instância – afinal, não é verdade que “quem decide o foro, quem decide se é competência ou não do STF” é a própria corte, como chegou a dizer Moraes; quem decide é a lei processual penal, que é bastante clara sobre as competências. Ao mirar Jordy, o ministro agora pode dizer que não está atrás apenas dos “peixes pequenos”, embora, como também lembrou Dallagnol, nenhum parlamentar tenha sido denunciado ou nem mesmo citado em outras denúncias até agora pela PGR – pelo contrário, o Ministério Público já pediu o arquivamento por falta de provas em relação aos parlamentares mais mencionados por Moraes em seus votos.

Medidas desproporcionais contra um parlamentar, sem a existência de indícios que as justifiquem, e tomadas mais por conveniência política que por qualquer outro motivo são sinais evidentes de que o arbítrio na repressão ao 8 de janeiro continua firme e deve se intensificar. A necessária busca pelos que realmente planejaram, instigaram e cometeram os crimes durante a invasão das sedes dos três poderes já tinha sido substituída pela destruição completa de vidas de brasileiros comuns, condenados sem provas a penas maiores que a de muitos facínoras; agora, ganha também ares de perseguição política.

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