Ao lado da violência urbana, que tira cerca de 60 mil vidas por ano, outra tragédia brasileira está no trânsito: anualmente, perdem a vida em ruas e estradas brasileiras cerca de 50 mil pessoas, em colisões ou atropelamentos, causados pelas razões mais diversas, a começar pela imprudência pura e simples de motoristas, motociclistas e pedestres, alimentada pela falta de fiscalização e punição àqueles que desrespeitam diariamente as leis de trânsito; outras causas de acidentes incluem defeitos mecânicos ou manutenção deficiente dos veículos, ou condições climáticas severas. Mas a infraestrutura viária também tem sua parcela de responsabilidade, segundo estudo divulgado na semana passada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).
“Acidentes rodoviários e a infraestrutura” se debruçou apenas sobre rodovias federais policiadas, onde morreram 83,5 mil pessoas em 1,65 milhão de acidentes entre 2007 e 2017. A primeira observação feita pela entidade é a de que o aumento da frota veicular brasileira não foi acompanhado por melhoria equivalente na infraestrutura viária: nos últimos dez anos, a frota cresceu 95,6% enquanto a população brasileira cresceu 12, 9% e a malha federal pavimentada foi ampliada em apenas 11,3%. E essa infraestrutura, além de ter crescido em ritmo inferior ao necessário para acomodar a demanda, nem sempre é mantida nas condições ideais de conservação.
É inaceitável que os brasileiros rodem por estradas onde mal se pode enxergar as faixas que dividem as pistas
Algumas informações do estudo, referentes a 2017, confirmam o senso comum: quase 60% dos acidentes com vítimas e 71% das mortes ocorrem em estradas de pista simples e mão dupla; além disso, a proporção dos acidentes ocorridos em curvas (22,3%) é bem maior que a proporção delas no traçado das rodovias. Mas outros dados surpreendem e levam a questionamentos que o próprio estudo ajudará a responder. Por que há mais mortes nos trechos de pavimento considerado “ótimo” (11,2 óbitos a cada 100 acidentes) que naqueles onde o asfalto é “péssimo” (7,7)? Seria apenas porque os motoristas abusam mais quando trafegam nos chamados “tapetes”, resultado em acidentes a velocidades maiores e, portanto, mais letais? A resposta, segundo a CNT, não é tão simples.
A grande disparidade está não na qualidade do pavimento, mas na sinalização – seja a vertical, formada pelas placas e outros sinais de trânsito, quanto a horizontal, que consiste nas faixas pintadas no asfalto e olhos-de-gato. Trechos com sinalização “ótima” registram 8,5 mortes a cada 100 acidentes, enquanto naqueles com sinalização “ruim” e “péssima” o índice sobe para 13. Quando o estudo faz o cruzamento dos dois indicadores, o papel da sinalização é ainda mais ressaltado: nos trechos com pavimento e sinalização considerados “ótimos”, há 8,4 mortes a cada 100 acidentes, mas o número sobe para 18,9 onde o asfalto é “ótimo”, mas a sinalização é “péssima”. Os acidentes com saída de pista, por exemplo, são 35% mais letais em trechos onde a pintura da faixa lateral está tão desgastada que se tornou praticamente invisível. O estudo ainda descobriu que a ausência de placas indicadoras de velocidade ou interseção, ou o fato de as placas existirem, mas estarem cobertas por mato, também aumentam a letalidade dos acidentes.
A geometria da via também tem influência, ainda que menor. Ainda que o número de acidentes em relação à extensão viária seja maior naqueles trechos onde a geometria é considerada “ótima”, os acidentes matam bem mais onde a geometria é avaliada como “péssima” (13,3 contra 7 mortes a cada 100 acidentes).
Dada a importância do modal rodoviário para o país – evidenciada nos últimos dias pela greve dos caminhoneiros –, é inaceitável que os brasileiros rodem por estradas onde mal se pode enxergar as faixas que dividem as pistas, onde as placas de sinalização estão cobertas por mato, onde o pavimento é cheio de ondulações ou onde a inclinação de uma curva ajuda a jogar o veículo para fora da estrada, em vez de mantê-lo nela. A maioria dessas situações é fruto de mero descaso do gestor da via e poderia ser resolvida com ações simples e baratas que poderiam salvar muitas vidas: a CNT estima que, se a sinalização e a geometria estivessem “ótimas” em todos os trechos onde houve acidentes com vítimas, as mortes poderiam ser reduzidas em até 21,5% e 35,4%, respectivamente. Eis um benefício que supera em muito qualquer custo provocado pelas obras de melhoria.