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editorial

O petrolão e os acordos de leniência

“As pessoas que foram culpadas é que têm de ser punidas, não as empresas”, disse a presidente Dilma Rousseff no fim de janeiro, em discurso feito durante reunião ministerial na Granja do Torto. Mudança notável de posição para quem sancionou a Lei Anticorrupção, em agosto de 2013, louvada justamente por colocar no ordenamento jurídico brasileiro a responsabilização de pessoas jurídicas cujos funcionários são flagrados em atos de corrupção. A reviravolta se explica: as empresas que “não têm de ser punidas”, para usar as palavras de Dilma, são as grandes empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato e que são acusadas de, entre outros ilícitos, terem pago “pedágio” ao PT e a outros partidos para conseguir contratos da estatal.

Por causa desse desejo de Dilma, a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU) entraram em rota de colisão com o Ministério Público Federal (MPF) e a oposição no Congresso Nacional. O motivo é a possibilidade de o governo celebrar acordos de leniência com as empreiteiras investigadas. No acordo de leniência, a empresa admite que cometeu ilegalidades e se compromete a ressarcir os cofres públicos pelos danos causados. Ao fazer isso, recebe multas menores e, o mais importante, escapa da declaração de inidoneidade, ou seja, fica livre para celebrar novos contratos com o governo. A CGU já foi procurada por empreiteiras interessadas em assinar acordos de leniência.

O problema aparece quando o governo coloca seu peso, por meio da AGU, para acelerar esse processo sem que ainda esteja completamente estabelecido o papel de cada empreiteira em um esquema tão grave quanto o do petrolão

O interesse em aliviar a situação das empreiteiras é uma reedição do discurso das empresas “grandes demais para punir” – ou pelo menos grandes demais para punir com rigor. Segundo esse raciocínio, se a lei for aplicada como se deve, “o Brasil vai parar”, pois as empresas são responsáveis por várias das principais obras de infraestrutura do país. “Esse não é um ponto que a gente avalia”, disse o ministro Valdir Simão, da CGU, sobre impactos econômicos de punições (ou de sua ausência) às empreiteiras. Mas faltou combinar com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, que se reuniu na segunda-feira com deputados petistas para orientá-los a defender os acordos de leniência usando justamente o argumento das consequências econômicas. “Estamos falando de emprego, investidores, sistema financeiro. Estamos falando de um conjunto afetado por uma situação”, justificou Adams. Os deputados José Guimarães, líder do governo, e Sibá Machado, líder do PT, entenderam o recado e repetiram o discurso.

Não está em jogo aqui a competência da CGU para celebrar os acordos de leniência, nem o fato de que, mesmo com os acordos, ainda pode haver punições. O problema aparece quando o governo coloca seu peso, por meio da AGU, para acelerar esse processo sem que ainda esteja completamente estabelecido o papel de cada empreiteira em um esquema tão grave quanto o do petrolão – o MPF acabou de aprovar a prorrogação da Lava Jato por mais seis meses, e ainda existe a possibilidade de novos acordos de delação premiada envolvendo executivos presos. O próprio Valdir Simão admite que a assinatura de um acordo de leniência pode levar um juiz a ser mais brando na hora de definir punições às empreiteiras na esfera cível.

Se prosperar o plano de livrar as empreiteiras de punições mais rigorosas por meio de acordos de leniência celebrados antes mesmo do fim das investigações da Lava Jato, o Brasil terá perdido uma oportunidade inigualável de passar o país a limpo e erradicar a corrupção na raiz. Dilma tem razão quando diz que as pessoas precisam ser punidas, mas o acerto de sua frase termina aí. Comprovada a participação de cada uma das empreiteiras – que, como dissemos na quinta-feira, não fizeram sozinhas o petrolão; o país aguarda a divulgação oficial dos nomes dos políticos que serão investigados pelo escândalo –, aplicar-lhes penas leves é encorajar futuros atos ilícitos.

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