A imaginação criativa dos nossos políticos se revela infinita. A inteligência e a seriedade que lhes faltam para bem cumprir suas responsabilidades de promover o bem público sobram-lhes para inventar propostas absurdas que, embora apresentadas como luminosa panaceia para resolver a crise brasileira, mais se destinam a protegê-los dos incômodos que os acometem atualmente. A mais luminosa ideia que agora viceja na cabeça esperta dos políticos mais enrolados é a instituição, no Brasil, de um regime esdrúxulo a que dão o nome de semipresidencialismo – ou seria semiparlamentarismo? Basicamente, o novo sistema consistiria em reduzir os poderes do presidente da República (mas não tanto quanto num regime parlamentarista puro) e transferir a um representante do Legislativo a organização do gabinete. As inspirações seriam França e Portugal.
Os poderes constituídos não sofrem de instabilidade. A instabilidade está no comportamento dos que os representam
O parlamentarismo – derrotado no Brasil em dois plebiscitos, em 1963 e 1993 – tem suas virtudes, não se pode negar. Casos como o atual, em que a presidente já perdeu toda a governabilidade, seriam resolvidos muito rapidamente num regime parlamentarista. Mas, no caso brasileiro, o que se pretende de fato, em nome da contingência crítica que o país hoje vive, é alterar de modo radical e oportunista as regras do jogo com a bola rolando, o que significa introduzir motivos para desestabilizar o aparato institucional ao qual, aliás, se deve a estabilidade democrática brasileira. Os poderes constituídos, independentes e harmônicos, tais como previstos na Constituição, não estão em crise, não sofrem de instabilidade. A instabilidade está no comportamento atípico e antirrepublicano dos que os representam atualmente.
O país conta hoje com todos os recursos institucionais que nos permitem saber exatamente o que precisa ser feito quando um governante falha ou comete crimes. Pode até ser difícil ou complicado remover os culpados, mas o caminho é claro e já foi testado na história recente do país. Há o instrumento legal do impeachment, sob a responsabilidade do Legislativo; há o Poder Judiciário para mediar e não permitir que a ordem legal seja atropelada.
Se a mudança já é oportunista e condenável em si mesma, ainda mais alarmante ela soa quando se consideram as pessoas concretas envolvidas. Afinal, no fundo, o objetivo da turma é apenas transformar o impeachment de Dilma Rousseff em semi-impeachment, de tal modo que – tudo ao mesmo tempo – salve-se a pele da infeliz presidente, do PT e de todos os seus aliados, aí incluídos o notório Eduardo Cunha, o vice Michel Temer e o artífice principal da proposta, o presidente do Senado, Renan Calheiros – todos eles enrolados na Operação Lava Jato. E acrescente-se: a ideia conta com a simpatia de setores da oposição (leia-se PSDB), também colocados sob as mesmas lupas da polícia, do Ministério Público e da Justiça em razão das estripulias no ramo das propinas.
Fazer agora uma sopa de letrinhas para entranhar no presidencialismo algumas facetas do parlamentarismo soa mais como um grito de socorro emitido pelos náufragos que se veem ameaçados de afogamento na mesma lama moral que criaram. Tratam, sim, de salvar a própria pele dando à tarefa em que se empenham o falso sentido de que estariam preocupados em tirar o Brasil da crise política e econômica em que o país se encontra prostrado.
Querem dar por resolvida a crise passando à opinião pública a impressão de que, com a transferência de poderes ao parlamento, o mal maior, isto é, a inépcia política e administrativa da Presidência, seria cortado. Ledo engano, mesmo porque o mal maior se encontra na falta de higidez moral da maioria dos atores políticos que nos governam, com ênfase, neste sentido, exatamente dos que atuam no Legislativo e que agora se “candidatam” a dividir o bolo do poder presidencial.
Não se trata, pois, de uma solução, mas de um novo problema, na medida em que nada se resolverá sem que, antes, fortes mudanças no sistema político-eleitoral sejam feitas, de modo a que os mandatários eleitos passem, verdadeiramente, a representar a vontade da nação, o que não ocorre hoje.
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