As eleições de 2018 colocaram um número recorde de partidos no Congresso Nacional: 30 legendas elegeram candidatos à Câmara ou ao Senado, duas a mais que no pleito de 2014. No entanto, quando começar a legislatura esse número pode ser reduzido graças a uma das poucas boas novidades introduzidas na legislação pela reforma político-eleitoral: a cláusula de barreira. As estimativas sobre o número de legendas que não haviam tido o desempenho exigido na lei variam, indo de 9 a 14 – o número final dependerá de algumas recontagens de votos que estão sendo pleiteadas na Justiça.
A cláusula de barreira brasileira é progressiva, e irá aumentando até 2030. Nesta eleição de 2018, para cumprir os critérios exigidos, um partido precisa eleger pelo menos nove deputados federais distribuídos em nove estados, ou então ter obtido 1,5% do total nacional de votos válidos, também distribuídos em pelo menos nove estados, com 1% dos votos válidos em cada estado. Em alguns aspectos, a regra brasileira é mais amena que a de outros países, como a Alemanha, onde os partidos que não cumprem o desempenho mínimo ficam fora do Legislativo, ainda que tenham eleito alguns parlamentares. No Brasil, quem não consegue esses números não perde o direito a eleger deputados, mas fica sem o dinheiro do Fundo Partidário, sem tempo de propaganda política em rádio e televisão, sem gabinete partidário e outras facilidades reservadas aos demais partidos. É por isso que legendas pequenas estão considerando a fusão com outros partidos que tiveram votações mais expressivas, o que poderia, ao fim, diminuir o número total de legendas no Congresso.
O sistema partidário brasileiro tem disfunções que fazem dele, em alguns sentidos, praticamente o oposto do ideal
Esse movimento tem consequências interessantes, pois mitiga os efeitos do nosso “presidencialismo de coalizão”, reduzindo o número de partidos com que o governante de plantão precisa barganhar. Além disso, também reduz o poder de certos caciques partidários que parecem estar na política apenas para ter um partido para chamar de seu. Mas esses são meros efeitos colaterais da cláusula de barreira, que tem uma importância muito maior.
O sistema partidário brasileiro tem disfunções que fazem dele, em alguns sentidos, praticamente o oposto do ideal. Ao contrário do que costuma se dizer, o problema do Brasil não é o excesso de partidos – fundar uma legenda para defender uma posição ideológica, ou uma causa, deveria ser extremamente simples. Mas, ao mesmo tempo, um partido só deveria ter algum tipo de ajuda pública se demonstrasse representar parcela considerável da população brasileira. Por aqui essa lógica é invertida: registrar um partido é uma tarefa hercúlea, que exige burocracia infinita e grandes quantidades de assinaturas de eleitores; mas o partido que consegue superar esse calvário passava, até agora, a ter direito a inúmeras benesses e recursos, simplesmente por existir, e ainda que tivesse desempenhos totalmente inexpressivos nas eleições. A cláusula de barreira enfrenta essa distorção atingindo tais legendas no bolso.
O correto seria que cada partido dependesse única e exclusivamente das doações daqueles que acreditam em seu ideário. Mas no Brasil vigora, na prática, um financiamento exclusivamente público de campanhas e partidos, ainda que de maneira informal. Desde que o Supremo Tribunal Federal proibiu as doações de pessoas jurídicas, e como no Brasil não existe a cultura da contribuição individual, os partidos dependem do Fundo Partidário e do megafundo eleitoral, uma das novidades nefastas da reforma de 2017. O ideal seria não haver recursos públicos bancando partidos e candidaturas; mas, como o dinheiro do contribuinte flui abundantemente, a cláusula de barreira serve como uma garantia de que, pelo menos, partidos tão inexpressivos a ponto de não representar uma proporção mínima de brasileiros não contem com esse dinheiro. Um bom começo para um sistema político-partidário brasileiro que ainda necessita de muito aprimoramento.