O Colégio Estadual do Paraná, uma das mais tradicionais escolas da rede pública paranaense, amanheceu com suas atividades paralisadas na sexta-feira depois que centenas de estudantes ocuparam o prédio, situação que se repete em dezenas de outras escolas da região metropolitana, do interior do Paraná e em outros estados. O motivo do protesto é a proposta de reforma do ensino médio, presente em medida provisória assinada pelo presidente Michel Temer em setembro e que prevê, entre outros itens, a implantação do período integral e de um currículo flexível, com redistribuição de disciplinas de acordo com as preferências dos estudantes, que poderão também direcionar seus estudos para a área técnica, preparando-se para o mercado de trabalho.
O presidente da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes), Matheus dos Santos, disse tratar-se de “uma corrente nacional de ampla defesa do ensino médio”. Mas os próprios estudantes não saberiam explicar no que consiste essa “defesa”, a não ser que se trata de recusar a proposta da Presidência da República. Os estudantes pretendem que fique tudo como está, com os resultados medíocres exibidos por esse sistema? Esperamos que não. Mas, então, que mudança desejam? Os jovens conhecem a reforma suficientemente bem – lembremo-nos de que já se espalhou, falsamente, que disciplinas como Filosofia e Sociologia seriam extintas – para compará-la com seus anseios?
Os jovens conhecem a reforma suficientemente bem para compará-la com seus anseios?
Curiosamente, o próprio movimento estudantil já teve mais afinidade com o conteúdo da reforma. O site Implicante fez uma varredura em publicações da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), que trata o movimento como “Primavera Secundarista”, e descobriu que a entidade já apoiou enfaticamente boa parte das mudanças agora propostas: de 2011 a 2014, há vários textos defendendo a educação tecnológica/profissionalizante; em 2013, a então presidente da Ubes criticava o excessivo número de disciplinas; e mesmo o ensino médio integral constava de um documento da entidade elaborado para as eleições de 2014.
O que mudou de lá para cá? O ocupante do Palácio do Planalto. Dilma Rousseff – cujo governo, aliás, foi responsável por algumas das propostas adotadas na MP – foi cassada e assumiu Michel Temer, que a Ubes, em seu site, chama de “golpista”. Diante disso, é preciso questionar até que ponto o protesto nas escolas de ensino médio do país está guiado por uma genuína preocupação com a educação (afinal, rejeita agora o que entidades como a Ubes defendiam até há pouco) ou se é apenas uma oportunidade de o movimento estudantil, cujas preferências político-partidárias não são segredo para ninguém, atacar o novo presidente. A Gazeta do Povo apurou que diversos professores do Colégio Estadual do Paraná apoiam o protesto, desde que o seu propósito não seja “deturpado”. O “Fora, Temer” – pauta declarada em movimentos semelhantes em outros estados – seria deturpação ou extensão natural do escopo da manifestação?
A reforma proposta não é perfeita – a Gazeta do Povo já mostrou sua preocupação com alguns itens, e também criticou o uso de uma MP para implantar as mudanças, em vez de um projeto de lei. Que os estudantes se preocupem com o assunto é um ótimo sinal. Melhor ainda que se envolvam ativamente no debate, especialmente se o fizerem com conhecimento de causa, analisando o que realmente está na mesa, em vez de se deixarem guiar por slogans e gritos de guerra. Mas a maneira escolhida para tal acaba prejudicando diversos outros estudantes (especialmente os do último ano do ensino médio, que estão às portas do vestibular) ao privá-los das aulas e tem eficácia duvidosa, ao colocar pressão sobre quem tem pouca influência no desfecho da possível reforma – desfecho esse que será definido não em alguma sala de diretoria ou secretaria estadual, mas no Congresso Nacional, que precisa analisar e votar a MP.
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