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editorial

O que o povo realmente quer

O novo núcleo político do governo, formado pelos ministros Aldo Rebelo, Eliseu Padilha e Gilberto Kassab, já deu seu diagnóstico sobre a manifestação que levou às ruas milhares de brasileiros no último domingo, dia 15. Para os ministros, a corrupção – assim, em termos genéricos –, e não a indignação com a presidente Dilma Rousseff ou com o PT, era o alvo das passeatas que já se podem contar entre as maiores que o país já viu. É bom que o governo se esforce para compreender as manifestações: é um reconhecimento da relevância do movimento popular. Mas, em sua análise, o trio de articuladores políticos conseguiu uma façanha: ofereceu uma avaliação ainda mais distante da realidade que aquela feita por Miguel Rossetto e José Eduardo Cardozo, os ministros que falaram à imprensa ainda no domingo, no calor dos acontecimentos.

Rossetto, lembre-se, reciclou em sua fala do dia 15 o discurso de “terceiro turno” ao minimizar as passeatas como coisa de quem não votou em Dilma e queria reverter o resultado das urnas. Pelo menos naquele momento havia uma consciência de que a indignação popular estava direcionada à figura da presidente. Agora, com a nova narrativa segundo a qual os manifestantes querem apenas o fim da corrupção, a indignação popular fica despersonalizada e a imagem da presidente estaria preservada, em um momento no qual seus índices de popularidade estão em queda livre.

No fim, o que o governo está fazendo é seguir adiante com o que já pretendia implantar de qualquer maneira, usando as manifestações como um pretexto adicional

Alguém pode se perguntar em que mundo vivem os articuladores políticos do governo para fazer tal constatação. Mas a construção dessa narrativa, no entanto, está longe de ser um simples caso de avaliação malfeita. Há método nessa loucura, e o raciocínio é assustadoramente simples. Transferir o alvo da indignação popular para “a corrupção” é interessante para o Planalto porque, neste caso, o governo já tem respostas prontas com as quais pretende satisfazer a população. Uma delas é a tão falada reforma política, com os argumentos já bem conhecidos – como o de que é preciso implantar o financiamento exclusivamente público de campanha para evitar a troca de favores entre doadores e eleitos, e o de que é preciso adotar o voto em lista partidária fechada para fortalecer as legendas – e, se possível, com uma assembleia constituinte exclusiva. A outra é o pacote anticorrupção, prometido desde 2013 e só entregue ao Congresso nesta quarta-feira, dia 18.

Mas, no mundo real, a pauta dos manifestantes era bem mais concreta, e podia se resumir nas frases “fora Dilma” e “fora PT”. As ações concretas para se chegar a esse objetivo podem variar (impeachment, renúncia ou, infelizmente, golpe), mas é inegável que a insatisfação se dirigia ao que podemos chamar de “pacote PT”. A corrupção – que, sabemos, não foi inventada pelo PT, mas foi por ele elevada ao estado da arte – é um ingrediente importante desse pacote; a julgar pelas pesquisas feitas entre os manifestantes, os escândalos podem, sim, ter sido a faísca que faltava para que o povo fosse às ruas. Mas a corrupção está longe de ser o único aspecto que desagrada a população. Afinal, o “pacote PT” inclui toda uma índole totalitária: aparelhamento do Estado para torná-lo mera ferramenta do partido, alianças com regimes autoritários de esquerda, uso de entidades-satélite sem personalidade jurídica (como o MST) como massa de manobra, tentativas de controle da imprensa, estelionatos eleitorais, incentivo ao “nós contra eles”. Tudo isso apareceu nas manifestações – mas para esses itens o Planalto não tem nenhuma resposta satisfatória para a sociedade. Daí a necessidade governamental de espalhar a versão de que se trata apenas de revolta contra a corrupção.

No fim, o que o governo está fazendo é seguir adiante com o que já pretendia implantar de qualquer maneira, usando as manifestações como um pretexto adicional. Mas, ao agir assim, ignorando as reais demandas dos manifestantes, Dilma e o PT apenas correm o risco de seguir esgarçando o tecido social brasileiro e fomentando mais indignação, que resultará em novos protestos (os organizadores do 15 de março já se prepararam para repetir a dose em 12 de abril). É muito pouco para uma presidente que, na noite em que foi reeleita, prometeu governar para todos os brasileiros.

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