Falta menos de um mês para a data em que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), promete colocar em votação a reforma da Previdência, e o relator do tema, Arthur Maia (PPS-BA), pretende desidratar ainda mais a proposta para conseguir os 308 votos necessários para aprovar a matéria no plenário. Na quarta-feira, dia 24, enquanto o país inteiro prestava atenção ao Tribunal Regional Federal em Porto Alegre, o relator se dizia disposto a avaliar que tipo de reivindicação “traz voto”, sinal claro de que o governo ainda não conta com o apoio necessário. O próprio Maia fala em 275 votos garantidos e 50 a 60 “indecisos”.
Mas que ninguém se iluda pensando que, entre esses indecisos, haja quem defenda o trabalhador da iniciativa privada. Todas as pressões para novas alterações na reforma da Previdência têm o objetivo de melhorar as regras – e, se possível, manter o que vigora hoje – para grupos específicos dentro do funcionalismo público. Arthur Maia se referiu a pedidos feitos pela bancada da segurança pública a respeito de regras de transição para policiais e pensões para famílias, e reivindicações referentes a servidores admitidos antes de 2003.
Que ninguém se iluda pensando que, entre os deputados “indecisos”, haja quem defenda o trabalhador da iniciativa privada
Algumas destas reivindicações podem até ser perfeitamente razoáveis, mas não é nosso objetivo analisá-las uma a uma aqui. O fato inegável é que, aos poucos, o discurso do governo a respeito de uma reforma que “acabe com os privilégios” vai ficando cada vez mais difícil de sustentar. “O que trouxer voto, e que não traga alterações nos pontos essenciais, fim dos privilégios e idade mínima, podemos, sim, absorver essas mudanças”, promete o relator. Mas a manutenção de regras especiais para diversas classes, sem falar daquelas que foram simplesmente deixadas de lado na reforma, como os militares, não consistiria em um privilégio?
Os trabalhadores urbanos da iniciativa privada, ressalte-se, respondem por apenas uma parte do rombo da previdência, e são o grupo no qual há menos disparidade entre arrecadação e despesa – entre 2010 e 2015, chegou até a ser superavitário. Na ponta oposta, estão os trabalhadores rurais (que, no entanto, recebem em média pouco mais de um salário mínimo) e, no meio, estão os servidores civis – em que a arrecadação cobre menos da metade dos gastos – e militares, cuja arrecadação não cobre nem 20% das despesas com suas aposentadorias e pensões.
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Com a reforma ficando cada vez menos igualitária, a maior parte do sacrifício fica nas costas do trabalhador da iniciativa privada, uma maioria sem bancada que brigue por ela durante as negociações na Câmara. Sim, a reforma é necessária, e mesmo uma versão desidratada é melhor que mudança nenhuma, mas, com os déficits em crescimento constante, mais cedo ou mais tarde o funcionalismo – que na comparação com a iniciativa privada já tem a grande vantagem da estabilidade – também terá de ceder, e de forma talvez mais forte que na proposta original do governo, há muito enterrada sob as pressões setoriais.
O governo tem buscado conquistar o apoio da população à reforma da Previdência com campanhas publicitárias que colocam o foco justamente no “combate aos privilégios”, como se as regras passassem a ser iguais para todos. Mas as concessões tornam a realidade cada vez mais distante da propaganda, e convencer o brasileiro será uma missão mais difícil quando o cidadão perceber que a reforma desenhada na Câmara joga quase todo o ônus sobre a maior parte dos assalariados, enquanto alivia o peso de uma minoria da qual se exigirá um preço menor.
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