Governo e Congresso continuam discutindo a possibilidade de seguir pagando o auxílio emergencial, uma das ferramentas desenhadas no ano passado para ajudar a mitigar os efeitos econômicos da pandemia de Covid-19. O presidente Jair Bolsonaro usou o aumento dos preços da cesta básica para justificar a prorrogação. O ministro da Economia, Paulo Guedes, mais refratário a essa possibilidade, afirmou que ela pode ocorrer sob algumas condições específicas, como o respeito ao ajuste fiscal. Os novos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já se mostraram favoráveis ao pagamento.
Por mais que a situação dos brasileiros mais vulneráveis esteja pedindo solução urgente, este é um caso clássico em que toda a atenção está na árvore e a floresta acabou ignorada. Falamos do Orçamento da União para 2021, que está bastante atrasado. O Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em meados de dezembro, mas ela apenas dá as diretrizes para o Orçamento propriamente dito; sem a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, o máximo que o governo pode fazer é gastar mensalmente 1/12 do montante originalmente previsto.
Sem ter muito claras as previsões de receita e despesa, acomodando o custo do auxílio emergencial por meio da redução em algum outro gasto, toda essa enxurrada de declarações a respeito do tema é estéril
A LDO, aliás, foi aprovada sem nem mesmo ter passado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO), que deixou de ser criada no ano passado em meio a uma disputa entre o Centrão e o grupo de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tinha como plano de fundo a sucessão no comando da Câmara dos Deputados. Os senadores já haviam definido que o relator do Orçamento seria Márcio Bittar (MDB-AC), mas faltava definir o deputado que presidiria a CMO; com a vitória do Centrão, o cargo será de Flávia Arruda (PL-DF). Com todos os prazos legais já vencidos, os membros da comissão precisam demonstrar senso de urgência.
A definição do Orçamento é fundamental para o futuro do auxílio emergencial porque, até agora, quase todos os atores políticos envolvidos têm priorizado o pagamento do benefício sem se lembrar de que há regras fiscais a cumprir e que esse dinheiro terá de ser cortado em algum outro lugar. Sem ter muito claras as previsões de receita e despesa, acomodando o custo do auxílio emergencial – sejam quais forem os valores das parcelas, sua duração e o número de beneficiados – por meio da redução em algum outro gasto, toda essa enxurrada de declarações a respeito do auxílio é estéril.
Pior ainda: à medida que passam os dias sem uma sinalização clara de que, havendo a opção pela prorrogação do auxílio, haverá também o corte equivalente em outra despesa, começam a surgir soluções tão heterodoxas quanto a gambiarra fiscal que o governo havia desenhado para bancar o Renda Cidadã com dinheiro de precatórios e do Fundeb. Já ganha força, por exemplo, a ideia de abrir crédito extraordinário ou de prolongar o estado de calamidade pública, com nova carta branca para despesas ilimitadas. Guedes não descarta completamente a possibilidade, desde que ela tenha como contrapartida uma série de medidas de ajuste fiscal – uma aposta bastante temerária, para dizer o mínimo, e que, se der errado, pode abalar a confiança dos mercados no Brasil, gerando consequências as mais diversas, como novas desvalorizações no câmbio.
Não há dúvidas de que a situação dos brasileiros mais pobres pede resposta; as previsões de recuperação infelizmente não se cumpriram ainda, com o desemprego em níveis elevados e muitos negócios experimentando o abre-e-fecha das restrições contra as novas ondas de Covid-19. Por mais que o Orçamento seja uma peça bastante engessada, com todos os seus gastos obrigatórios, vinculados e indexados, ainda existe uma margem, mesmo pequena, para o governo acomodar novas rodadas de auxílio emergencial; mas para isso terá de vencer sua enorme relutância – comprovada no caso do Renda Cidadã – em fazer escolhas e cortes em outras áreas. A discussão do Orçamento já seria fundamental em circunstâncias normais, mas estes tempos pedem ainda mais seriedade e pressa. Ela será o primeiro grande teste da tão falada harmonia construída entre Executivo e Legislativo neste início de 2021.
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