O Brasil corre o sério risco de entrar em 2021 sem um orçamento definido pelo Poder Legislativo, a depender do cronograma estipulado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Isso porque, em sua avaliação, será impossível votar o orçamento sem que, antes, seja aprovada a PEC Emergencial, uma das três proposta de emenda à Constituição apresentadas pelo governo no fim do ano passado, dentro do chamado Plano Mais Brasil. E, a julgar por todas as circunstâncias que envolvem a tramitação da PEC e o calendário apertado deste fim de ano, só um milagre seria capaz de destravar todo o processo antes do réveillon.
Não se pode dizer, neste caso, que a culpa seja exatamente de Maia. Ele não condiciona a votação do orçamento à aprovação da PEC Emergencial por capricho, mas graças ao grande imbróglio causado pelo programa Renda Cidadã, o substituto do Bolsa Família que o presidente Jair Bolsonaro deseja aprovar. A PEC Emergencial, por si só, já é importante, pois prevê uma série de mecanismos para ajudar gestores a economizar em momentos mais difíceis para os cofres públicos, proporcionando o que Maia chama de “regulamentação do teto de gastos”. Mas ela se tornou uma condição prévia à discussão do orçamento quando o governo e o relator da PEC Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), concordaram em incluir o Renda Cidadã no texto. Sem que o Congresso vote a PEC e decida se o Renda Cidadã será tirado do papel, não há como destinar-lhe a verba necessária no orçamento.
Ao colocar o Renda Cidadã dentro da PEC Emergencial, governo e Senado fizeram dela condição prévia à aprovação do orçamento de 2021
Para piorar, a forma escolhida para bancar o Renda Cidadã foi um truque orçamentário que não corta despesas, usando dinheiro do Fundeb e adiando o pagamento de precatórios. A escolha atraiu críticas de todos os lados (incluindo acusações de inconstitucionalidade e afirmações de que seguir adiante com o plano levaria a um crime de responsabilidade) e à qual o mercado financeiro reagiu exigindo que o governo pague juros cada vez maiores nos títulos de médio e longo prazo – na prática, uma avaliação de que o governo terá cada vez mais dificuldade para fazer um ajuste fiscal que lhe permita honrar seus compromissos daqui a alguns anos. Se desde o início o governo tivesse feito as escolhas difíceis, mas corretas, optando por cortar gastos para acomodar o Renda Cidadã, é possível que já tivesse pacificado o assunto, em vez de deixar a discussão para dezembro, após o fim do período eleitoral, como pediu Bolsonaro.
E aqui entram outros complicadores para que o orçamento seja definido mais rapidamente: com vários parlamentares na disputa por prefeituras Brasil afora, e tantos outros empenhados em eleger apadrinhados, novembro tem tudo para ser dado como perdido no Congresso. Na melhor das hipóteses, com as discussões no Legislativo retornando após o primeiro turno das eleições, a PEC Emergencial estaria aprovada em meados de janeiro; se as disputas do segundo turno ainda sugarem as energias dos parlamentares, a PEC poderia ficar para o fim de janeiro. Até lá, também precisa estar resolvida uma briga interna entre deputados pela presidência da Comissão Mista de Orçamento, e que coloca em lados opostos o DEM de Maia e forças do Centrão.
Por fim, não importa quanta pressa Maia tenha, quem vai ditar o ritmo é seu colega de partido, Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado – que, por sua vez, parece muito mais empenhado em burlar a Constituição para conseguir uma reeleição que em fazer andar a PEC Emergencial. Com tantos interesses pessoais, calendário apertado e escolhas claramente equivocadas travando o debate, o risco não é apenas de um atraso perigoso, mas também de que os textos finais tanto da PEC quando do orçamento fiquem longe do ideal, prejudicando qualquer chance de uma retomada forte da economia brasileira no pós-pandemia.