Por mais que uma disputa política esteja atrasando a análise do Orçamento da União de 2021, mais cedo ou mais tarde o Congresso terá de enfrentar o tema. Afinal, o orçamento público é uma peça obrigatória por lei, e a proposta elaborada pelo Poder Executivo deve estimar as receitas e fixar as despesas para o ano seguinte – sem ela, nem há como realizar gastos públicos em qualquer setor. Mas, como tem ocorrido em tantos outros anos, uma análise do orçamento feita de forma superficial, a toque de caixa, provavelmente impedirá deputados e senadores de prestar atenção às grandes prioridades do país e de encontrar o melhor modo de incorporá-las ao texto final.
Para 2021, sobretudo em razão do recessivo ano de 2020 e sua pandemia, os orçamentos públicos – não só o da União, mas também os de estados e municípios – deveriam priorizar três grandes eixos: pobreza, desigualdade e desemprego. Esses três flagelos da vida brasileira foram agravados pela recessão e a desorganização do sistema produtivo resultantes da pandemia. Uma observação importante diz respeito à questão da desigualdade de renda que, segundo estudos já publicados aqui Gazeta do Povo, teve melhoria nos indicadores em razão do auxílio emergencial, no total de cinco parcelas mensais de R$ 600 mais quatro parcelas de R$ 300 para mais de 65 milhões de brasileiros. O Brasil jamais havia testado um programa social de transferência de renda desse porte, e o governo somente o implantou induzido pelo estrago que o fechamento de empresas e o isolamento social impuseram à população.
Sobretudo em razão do recessivo ano de 2020 e sua pandemia, os orçamentos públicos deveriam priorizar três grandes eixos: pobreza, desigualdade e desemprego
Assim que a pandemia for dominada e a economia retornar ao normal, o auxílio emergencial será revisto – talvez entrando em vigor o programa Renda Cidadã –, e os problemas da pobreza, da desigualdade e do desemprego aí estarão, esperando que governo e sociedade digam o que será feito a respeito. De saída se sabe que, havendo geração de empregos, tanto a pobreza quanto a desigualdade tendem a ser diminuídas, melhorando a situação social. Por sua vez, a redução do desemprego depende diretamente de crescimento econômico; logo, a metassíntese deve ser o crescimento do PIB.
Mas o Brasil é um país complexo, cuja engrenagem estatal padece de defeitos crônicos de difícil solução. O exemplo de um país hipotético serve para ilustrar como o orçamento público e a maneira como ele é gasto podem contribuir para concentrar renda. Imaginando um país cuja renda bruta por habitante seja de US$ 10 mil/ano e com carga tributária de 35%, portanto com renda líquida por pessoa de US$ 7,5 mil/ano (renda bruta menos tributos) e no qual o salário médio dos servidores públicos em todos os níveis seja de US$ 30 mil/ano, inevitavelmente, o gasto público agirá como concentrador de renda. Vale ressaltar que existe uma concentração dentro do próprio setor público pela diferença salarial entre as categorias mal remuneradas – caso de professores, agentes de saúde, policiais – e as categorias altamente remuneradas. Isso ocorre no Brasil, segundo estudo do próprio governo federal por meio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O orçamento público nas três esferas da federação tem, no fundo, três gastos: obras de infraestrutura física e social, serviços públicos típicos do governo e programas sociais de transferência de renda. Essa máquina estatal, com seus poderes constituídos, é operada pelos servidores em todas as esferas da Federação e em todos os poderes, razão pela qual a distância salarial entre os servidores de renda mais baixa e os servidores de renda mais alta deveria ser limitada, sob pena de ocorrer o que é comum na América Latina: o governo é concentrador de renda tanto no interior do próprio governo quanto em relação à nação como um todo.
Claro que o problema não é somente esse. Há distorções no sistema tributário e na maneira como a sociedade sempre encarou o problema da pobreza e da desigualdade. Quanto ao desemprego, todos têm a mesma vontade de combatê-lo, pois ninguém é contra a melhor saída para tanto: o crescimento econômico e, adicionalmente, melhor nível educacional e maior qualificação profissional. Sabendo que as principais prioridades devem ser o combate à pobreza, a diminuição da desigualdade e a redução do desemprego, governo e sociedade podem melhorar suas ações conjuntas e separadas para que o país siga na linha de crescer e ampliar o desenvolvimento social. A pergunta é: com tão pouco tempo para análise e tantas disputas internas dominando as duas casas legislativas, deputados e senadores serão capazes de aprovar um orçamento que efetivamente dê prioridade ao que é mais importante?