Quando Michel Temer assumiu a Presidência da República, em maio de 2016, a urgência do país, depois do descontrole dos governos de Dilma Rousseff, era o ajuste fiscal. O governo gastava muito mais do que arrecadava, vinha de um déficit primário de R$ 111 bilhões em 2015 e teria outro rombo, de R$ 161 bilhões, em 2016. Além das reformas estruturais, que permitiriam ao país ter uma lógica de gastos mais racional no médio e longo prazo, era preciso cortar gastos imediatamente.
Imediatamente surgiu a questão dos gastos com o funcionalismo público. Dilma já havia se comprometido com um reajuste nos salários dos servidores, e Temer abandonou temporariamente o discurso da austeridade para conceder os aumentos, com o argumento de que entre 2011 e 2015 o funcionalismo havia tido reajustes abaixo da inflação e do setor privado.
A concessão, no entanto, cobrou seu preço rapidamente: os gastos do governo com o funcionalismo subirão acima da inflação em 2017 e tudo indica que seguiriam a mesma trajetória em 2018. Tudo porque, em vez de conseguir o ajuste fiscal primeiro para depois negociar com os servidores o reajuste possível, o governo preferiu inverter os fatores – o que, neste caso, altera, e muito, o produto.
Em vez de conseguir o ajuste fiscal primeiro para depois negociar com os servidores o reajuste possível, o governo fez o inverso
Com a meta fiscal de 2017 se encaminhando para uma repetição dos desastrosos números de 2016, o Executivo foi obrigado a refletir sobre os reajustes previstos para 2018 e 2019, ambos entrando em vigor em 1.º de janeiro. Na iniciativa privada, quando as despesas superam em muito as receitas, o empregador faz as contas para reduzir gastos e, se preciso, corta pessoal. Como essa opção não está disponível para o poder público, devido à estabilidade de que gozam os servidores concursados, a alternativa escolhida pelo Planalto era a de adiar os reajustes por um ano: o aumento de janeiro de 2018 seria concedido em janeiro de 2019, e o de 2019 ficaria para 2020. Esse arranjo passou a vigorar na Medida Provisória 805, publicada no fim de outubro e que também aumentaria, a partir de fevereiro do ano que vem, a contribuição previdenciária dos servidores que recebem acima do teto do INSS – o servidor pagaria 14% sobre a quantia que ultrapassasse R$ 5,5 mil.
A reação dos servidores e de suas entidades representativas foi imediata, e o PSol foi ao Supremo Tribunal Federal para derrubar a MP 805. Foi atendido, no dia 18 de dezembro, pelo ministro Ricardo Lewandowski, que em caráter liminar suspendeu a medida provisória – na prática, restabelecendo o calendário anterior de reajustes e eliminando a nova contribuição previdenciária. A decisão ainda precisa passar pelo pleno do STF, mas isso só poderá ocorrer a partir de fevereiro de 2018, quando o aumento já tiver sido concedido, o que torna ainda mais complicada a chance de os ministros contrariarem o entendimento de Lewandowski.
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Ainda que se possa dizer que Temer colheu o que plantou quando preferiu ceder ao funcionalismo, dando margem para que situações como essa viessem a ocorrer, a liminar de Lewandowski impõe gastos imediatos ao governo e ignora a realidade de um Estado quebrado, cujas receitas ainda estão longe do necessário para bancar o funcionamento da máquina pública federal, e de um país que mal saiu de uma recessão e ainda briga para engatar algum crescimento, amargando 13 milhões de desempregados.
O funcionalismo tem todo o direito de brigar por seus direitos e de argumentar que perde poder de compra quando seus salários não são reajustados. Cabe ao governo, que sabe o quanto pode pagar, considerar se atende as demandas. Fato é que, apesar das defasagens, servidores públicos ainda têm uma vantagem considerável na comparação entre a média de seus salários e a de empregados da mesma função na iniciativa privada. Além disso, graças à estabilidade, foram poupados do grande mal do desemprego, mesmo com a queda brutal nas receitas de seu “empregador”. E os servidores federais não estão na situação de calamidade pela qual passam colegas seus em vários estados, tendo salários parcelados, isso quando conseguem recebê-los – mais uma consequência da irresponsabilidade de governos que gastam o que não têm. O sacrifício pedido ao funcionalismo ainda é menor que o já feito pelo setor privado.