Trinta anos atrás, em 26 de março de 1991, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai formalizaram, pelo Tratado de Assunção, a criação do Mercado Comum do Sul, o Mercosul. Era um movimento que se inseria em uma tendência global, de formação de blocos econômicos com vistas à integração regional – dois anos depois, a Comunidade Econômica Europeia aprofundaria esse processo, transformando-se na União Europeia. No entanto, apesar do nome, o Mercosul ainda não se tornou aquilo que aspirava ser, e tem diversos desafios a enfrentar ao entrar em sua quarta década de existência.
O bloco, a bem da verdade, em muitos momentos parece não saber ao certo o que pretende ser. Boa parte disso se deve às diferenças de perfil dos membros em termos de política econômica, saúde fiscal e liberdade econômica, mas também às guinadas bruscas de orientação ideológica vividas pelos seus integrantes, e que acabam ditando o tom do Mercosul, como afirmou à Gazeta do Povo o professor Eduardo Fracchia, da Universidade Austral, em Buenos Aires. Em 2019, por exemplo, o brasileiro Jair Bolsonaro e o argentino Maurício Macri se diziam dispostos a modernizar o Mercosul, dando mais liberdade às nações para perseguir sua inserção internacional sem precisar sempre do aval dos demais países do bloco, mas sem abandonar a ação conjunta – foi naquele ano que se assinou o importantíssimo acordo comercial com a União Europeia. Esse movimento de modernização, entretanto, não se concretizou e, com a substituição de Macri pelo esquerdista Alberto Fernández, o protecionismo voltou a dar as cartas em uma Argentina afundada na crise econômica e na inflação fora de controle.
É preciso dar mais estabilidade ao bloco, livrando-o da extrema suscetibilidade aos humores dos governantes de plantão e perseguindo com mais afinco os objetivos da integração econômica e da maior inserção internacional
Ao menos não se pode dizer que o bloco está regredindo à fase de clubinho bolivariano, vivida na primeira metade da década passada – foi em 2012 que a brasileira Dilma Rousseff, a argentina Cristina Kirchner e o uruguaio José Mujica tramaram para suspender o Paraguai e, assim, permitir que a Venezuela de Hugo Chávez entrasse no bloco, apesar de a cláusula democrática do Mercosul impedir claramente a participação de regimes ditatoriais. Estes são tempos que, esperamos, jamais retornem – a Venezuela acabou suspensa do bloco em 2017 e ainda não foi readmitida.
É preciso, portanto, dar mais estabilidade ao bloco, livrando-o da extrema suscetibilidade aos humores dos governantes de plantão e perseguindo com mais afinco os objetivos da integração econômica e da maior inserção internacional. O acordo com a União Europeia ainda não está ratificado, especialmente porque os protecionistas do lado europeu têm apelado ao discurso ambiental como pretexto para bloquear o livre comércio entre os dois blocos, e o Mercosul deveria buscar parcerias adicionais, como vem fazendo com a Aliança do Pacífico. Ao mesmo tempo, é preciso também eliminar de vez as barreiras econômicas dentro do bloco, facilitando a circulação de produtos, serviços e trabalhadores entre os países-membros.
Não é necessário – e muito provavelmente nem é desejável – que o Mercosul adote o caminho da hipercentralização ao estilo europeu, com instituições supranacionais minando a soberania dos Estados nacionais, o que vem despertando reações como o Brexit. Mas a integração conseguida até o momento está bastante aquém até mesmo do objetivo mais modesto de instituir um mercado comum, e que guiou os idealizadores do Mercosul. O aniversário é ocasião de celebrar os avanços, que certamente existem, mas também de refletir sobre os fatores que têm impedido uma integração ainda mais intensa e de pensar em como superar os impasses que, com certa frequência, deixam o bloco engessado ou ineficaz.