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Detalhes da primeira família de notas de real em painel exposto no Banco Central, em 2019.
Detalhes da primeira família de notas de real em painel exposto no Banco Central, em 2019.| Foto: Raphael Ribeiro/Banco Central do Brasil

Em 1.º de julho de 1994, o Brasil abandonou a Unidade Real de Valor (URV, uma moeda fictícia transitória) e uma sucessão infindável de cruzeiros e cruzados para entrar no mais longo período de estabilidade monetária do passado recente. O real chega aos 30 anos e uma geração inteira de brasileiros já não sabe o que é viver sob a hiperinflação e todos os hábitos que marcaram aquela época, como o de correr para os supermercados assim que o salário era depositado, para comprar alimentos em quantidade suficiente para durar todo um mês.

Esses mesmos brasileiros também não presenciaram nenhum dos choques heterodoxos que marcou a década anterior a 1994, com seus congelamentos e tabelamentos de preços, “fiscais do Sarney” e filas enormes para comprar carne racionada, já que os bois haviam sumido dos pastos para que produtores não tivessem de vender a carne pelo preço tabelado. Tais choques, como os dos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor, construídos em bases artificiais, reduziam drasticamente a inflação em um primeiro momento, mas logo os preços voltavam a subir vertiginosamente. Era a armadilha que os economistas do Plano Real, capitaneados pelo então ministro Fernando Henrique Cardoso, da Fazenda, quiseram evitar.

A resiliência do real não se deve apenas ao fato de o plano de estabilização ter sido melhor desenhado que seus antecessores, mas também a todo o conjunto de reformas que o acompanhou

A inflação foi controlada de forma gradual, mas duradoura. Em 1995, primeiro ano cheio de vigência da nova moeda, o IPCA ainda era de 22,41%, valor que hoje qualquer brasileiro considera inaceitável, mas que à época soava como uma grande vitória – a título de comparação, a inflação de 1993, último ano antes do real, fora de 2.477,15%. Desde 1996, apenas três vezes o IPCA ultrapassou os 10%: em 2002, 2015 e 2021. Neste período, o país foi atingido por fortes crises internacionais – a da Ásia, a da Rússia e a do subprime – e internas, como a provocada pela irresponsabilidade da Nova Matriz Econômica lulopetista. Ainda assim, o real suportou as tempestades e a hiperinflação não retornou.

A resiliência do real não se deve apenas ao fato de o plano de estabilização ter sido melhor desenhado, mas também a todo o conjunto de reformas que o acompanhou, desde o saneamento do sistema financeiro por meio do Proer até a Lei de Responsabilidade Fiscal e a implantação do tripé macroeconômico formado por câmbio flutuante, metas de inflação e busca pelo superávit primário. A estabilidade e a credibilidade da moeda dependiam especialmente dessas reformas estruturantes, algumas das quais miravam especialmente o descontrole do gasto público, que é fonte de inflação; o sucesso dessas reformas pavimentou o caminho para que a estabilização tivesse a longevidade que tem. E apontam o caminho para que ela se perpetue.

Lula e o PT resistiram e criticaram virulentamente cada etapa da estabilização, desde o Plano Real propriamente dito – chamado por eles de “estelionato eleitoral” – até as reformas posteriores. O petista chegou ao Planalto em 2002 sem jamais agradecer ao antecessor por receber um país estabilizado economicamente; pelo contrário, passou anos repetindo o mantra da “herança maldita”. Lula pode até não ter dado marcha a ré nas conquistas do Plano Real, mas lançou as bases da Nova Matriz Econômica que, no mandato de sua sucessora Dilma Rousseff, levaria o país à maior recessão de sua história. E, ainda hoje, Lula não apenas segue sem dar a FHC e aos economistas do real – que, aliás, apoiaram o petista na campanha de 2022 – o merecido reconhecimento como ainda se empenha em alimentar crises que contribuem para a perda de valor da moeda. A defesa incessante da elevação do gasto público, a recusa veemente a qualquer ajuste fiscal e as críticas constantes ao Banco Central e a Roberto Campos Neto feitas por Lula afetam negativamente o câmbio e as expectativas de inflação.

Seria um exagero enorme dizer que a irresponsabilidade petista poderia nos trazer de volta aos tempos pré-real. Décadas de convivência com índices de inflação mais civilizados acabaram com a tolerância do brasileiro ao descontrole total que vigorava antes de 1994. Mas o Lula de 2024, em certos aspectos, segue repetindo o Lula de três décadas atrás e desprezando o valor da criação de um bom ambiente de negócios, com previsibilidade econômica; da estabilidade; e de políticas fiscal e monetária convergindo no sentido de promover a racionalização do gasto público. E, ao agir assim, o presidente estraga a celebração do maior marco da história econômica recente do país.

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