Em 1.º de julho de 1994, o Brasil abandonou a Unidade Real de Valor (URV, uma moeda fictícia transitória) e uma sucessão infindável de cruzeiros e cruzados para entrar no mais longo período de estabilidade monetária do passado recente. O real chega aos 30 anos e uma geração inteira de brasileiros já não sabe o que é viver sob a hiperinflação e todos os hábitos que marcaram aquela época, como o de correr para os supermercados assim que o salário era depositado, para comprar alimentos em quantidade suficiente para durar todo um mês.
Esses mesmos brasileiros também não presenciaram nenhum dos choques heterodoxos que marcou a década anterior a 1994, com seus congelamentos e tabelamentos de preços, “fiscais do Sarney” e filas enormes para comprar carne racionada, já que os bois haviam sumido dos pastos para que produtores não tivessem de vender a carne pelo preço tabelado. Tais choques, como os dos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor, construídos em bases artificiais, reduziam drasticamente a inflação em um primeiro momento, mas logo os preços voltavam a subir vertiginosamente. Era a armadilha que os economistas do Plano Real, capitaneados pelo então ministro Fernando Henrique Cardoso, da Fazenda, quiseram evitar.
A resiliência do real não se deve apenas ao fato de o plano de estabilização ter sido melhor desenhado que seus antecessores, mas também a todo o conjunto de reformas que o acompanhou
A inflação foi controlada de forma gradual, mas duradoura. Em 1995, primeiro ano cheio de vigência da nova moeda, o IPCA ainda era de 22,41%, valor que hoje qualquer brasileiro considera inaceitável, mas que à época soava como uma grande vitória – a título de comparação, a inflação de 1993, último ano antes do real, fora de 2.477,15%. Desde 1996, apenas três vezes o IPCA ultrapassou os 10%: em 2002, 2015 e 2021. Neste período, o país foi atingido por fortes crises internacionais – a da Ásia, a da Rússia e a do subprime – e internas, como a provocada pela irresponsabilidade da Nova Matriz Econômica lulopetista. Ainda assim, o real suportou as tempestades e a hiperinflação não retornou.
A resiliência do real não se deve apenas ao fato de o plano de estabilização ter sido melhor desenhado, mas também a todo o conjunto de reformas que o acompanhou, desde o saneamento do sistema financeiro por meio do Proer até a Lei de Responsabilidade Fiscal e a implantação do tripé macroeconômico formado por câmbio flutuante, metas de inflação e busca pelo superávit primário. A estabilidade e a credibilidade da moeda dependiam especialmente dessas reformas estruturantes, algumas das quais miravam especialmente o descontrole do gasto público, que é fonte de inflação; o sucesso dessas reformas pavimentou o caminho para que a estabilização tivesse a longevidade que tem. E apontam o caminho para que ela se perpetue.
Lula e o PT resistiram e criticaram virulentamente cada etapa da estabilização, desde o Plano Real propriamente dito – chamado por eles de “estelionato eleitoral” – até as reformas posteriores. O petista chegou ao Planalto em 2002 sem jamais agradecer ao antecessor por receber um país estabilizado economicamente; pelo contrário, passou anos repetindo o mantra da “herança maldita”. Lula pode até não ter dado marcha a ré nas conquistas do Plano Real, mas lançou as bases da Nova Matriz Econômica que, no mandato de sua sucessora Dilma Rousseff, levaria o país à maior recessão de sua história. E, ainda hoje, Lula não apenas segue sem dar a FHC e aos economistas do real – que, aliás, apoiaram o petista na campanha de 2022 – o merecido reconhecimento como ainda se empenha em alimentar crises que contribuem para a perda de valor da moeda. A defesa incessante da elevação do gasto público, a recusa veemente a qualquer ajuste fiscal e as críticas constantes ao Banco Central e a Roberto Campos Neto feitas por Lula afetam negativamente o câmbio e as expectativas de inflação.
Seria um exagero enorme dizer que a irresponsabilidade petista poderia nos trazer de volta aos tempos pré-real. Décadas de convivência com índices de inflação mais civilizados acabaram com a tolerância do brasileiro ao descontrole total que vigorava antes de 1994. Mas o Lula de 2024, em certos aspectos, segue repetindo o Lula de três décadas atrás e desprezando o valor da criação de um bom ambiente de negócios, com previsibilidade econômica; da estabilidade; e de políticas fiscal e monetária convergindo no sentido de promover a racionalização do gasto público. E, ao agir assim, o presidente estraga a celebração do maior marco da história econômica recente do país.
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