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Editorial

Os autoritários se impõem

 | André Dusek/Estadão Conteúdo
(Foto: André Dusek/Estadão Conteúdo)

A Câmara dos Deputados viveu mais um episódio de vandalismo nesta terça-feira, quando policiais civis, rodoviários e federais convocados pela União de Policiais do Brasil (UPB) tentaram invadir a casa legislativa, em protesto contra a reforma da Previdência. Eles entraram em choque com a polícia legislativa, que barrou a invasão iniciada na chapelaria – a entrada habitual de parlamentares, imprensa e público. Depois de quebrarem vidros, os policiais ainda mudaram de estratégia e se dirigiram ao Salão Negro, onde mais uma vez foram rechaçados pela segurança do Congresso.

Não é a primeira vez que policiais promovem quebra-quebra no Congresso em protesto contra mudanças nas regras de aposentadoria. No início de fevereiro, também houve concentração na Esplanada dos Ministérios com tentativa de forçar a entrada no prédio da Câmara dos Deputados. Um dos policiais chegou a sacar uma arma, a polícia legislativa usou bombas de gás lacrimogêneo e os manifestantes responderam com garrafas. Também este protesto tinha sido organizado pela UPB.

A invasão de casas legislativas e prédios públicos tem se tornado cada vez mais comum

A principal reivindicação dos policiais é o tratamento diferenciado nas regras para a aposentadoria. Hoje, esses profissionais podem se aposentar com 25 anos de contribuição e não há idade mínima para requerer o benefício. Na primeira versão da reforma da Previdência, a idade mínima de 65 anos valeria para todas as categorias, mas o relator do projeto, deputado Arthur Maia (PPS-BA), já havia concordado com a redução para 60 anos no caso de policiais e professores. Mesmo assim, seja por desconhecimento desta mudança, seja por considerá-la insuficiente, a UPB resolveu convocar o protesto que terminou em quebra-quebra.

Não é nossa intenção, neste momento, analisar o pleito dos policiais, que argumentam, entre outros fatores, que sua categoria tem uma expectativa de vida inferior ao restante do funcionalismo público, até pelo risco da atividade que os policiais exercem. Por outro lado, parece inegável que, diante das inevitáveis – e mais que necessárias – mudanças na Previdência, inclusive do setor público, diversas categorias tentam conseguir um tratamento diferenciado e, neste processo, nem sempre as fronteiras entre direito e privilégio ficam nítidas.

O que não se pode aceitar, de maneira nenhuma, é o recurso à invasão de uma casa legislativa ou prédio público como meio de pressão para fazer prevalecer suas plataformas. Nenhuma causa, por mais nobre que seja, justifica esse tipo de atitude, que infelizmente tem se tornado cada vez mais comum: em março de 2014, militantes do MST tentaram, no mesmo dia, entrar no Supremo Tribunal Federal e no Palácio do Planalto. Em fevereiro de 2015, servidores invadiram o plenário da Assembleia Legislativa do Paraná para impedir a votação do “pacotaço” do governo estadual, e tentaram fazê-lo novamente em outras ocasiões, inclusive no fatídico 29 de abril. Em 2016, vieram as invasões em escolas de ensino médio e universidades e, no fim do ano, o plenário da Câmara dos Deputados também foi invadido por um grupo de defensores de um golpe militar, que protestavam contra as “emendas da meia-noite” que desfiguraram as Dez Medidas Contra a Corrupção. No falido Rio de Janeiro, servidores também ameaçaram invadir o Legislativo estadual durante a votação de um pacote de austeridade.

A democracia pressupõe a noção de que as próprias ideias não podem ser impostas à força – por mais corretas que sejam, repetimos. O processo democrático é feito de vitórias e derrotas, e as divergências se resolvem por meio das instituições, do Judiciário, do voto popular, da negociação, jamais pela intimidação, que foi o objetivo claro das invasões dos policiais – e que parece ter funcionado, pois Maia anunciou, na quarta-feira, que proporia a idade mínima de 55 anos para a categoria. Ainda que o relator tenha negado ligação entre o protesto e a nova concessão, fica para a sociedade a impressão de que o quebra-quebra compensa, uma noção mortal para nossa democracia.

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