Apesar de ainda ter um longo caminho até ser aprovado no Congresso Nacional, o Estatuto do Nascituro (Projeto de Lei 478/2007) vem causando polêmica e enfrentando forte oposição de grupos favoráveis à legalização do aborto no Brasil. O texto garante proteção jurídica ao bebê, desde a concepção, e tem sido especialmente contestado o artigo que garante a assistência do poder público para que a gestante que concebeu após ser vítima de estupro possa levar a gravidez até o fim. O benefício, apesar de não haver ainda uma definição de como ele seria estabelecido, já foi apelidado de "bolsa estupro". No entanto, uma análise atenta do projeto permite concluir que ele, apesar de ter a finalidade explícita de proteger o nascituro, também é benéfico para a mulher, ao ampliar sua possibilidade de escolha.
Ao observar muitas das ressalvas ao Estatuto do Nascituro e compará-las com o texto efetivamente aprovado na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, percebe-se de imediato que boa parte das críticas se refere à versão inicial do projeto de lei, que já sofreu alterações substanciais. Uma das acusações é a de que o Estatuto "criminalizaria" todas as formas de aborto o Código Penal atual, em seu artigo 128, não pune o aborto feito em caso de gravidez resultante de estupro, ou nas situações em que a mãe corre risco de vida (o Supremo Tribunal Federal acrescentou, a esses dois casos, o de anencefalia). O Estatuto do Nascituro não altera o texto do Código Penal, ou seja, mantém o status atual do aborto realizado em caso de estupro.
O mesmo ocorre com o que foi pejorativamente chamado de "bolsa estupro". O projeto inicial era mais explícito, prevendo auxílio de um salário mínimo à mãe até que o filho completasse 18 anos. A nova redação do artigo 13 do Estatuto do Nascituro afirma que "na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe". Esse tipo de auxílio já é praticado por alguns grupos pró-vida, que se mobilizam para prover o sustento de mulheres vítimas de estupro que desejem levar sua gravidez até o fim, em vez de realizar o aborto.
A participação do poder público é bem-vinda, ao garantir essa mesma ajuda a qualquer gestante que escolha não tirar a vida de seu filho. O estupro é uma das piores violências, se não a pior, que uma mulher pode sofrer. Mas, apesar de concebida em um ato de violência, a criança não deveria ser punida por um crime do qual não é ela a culpada ainda mais quando essa punição é a morte certa, uma pena mais severa que qualquer outra prevista pelo ordenamento jurídico brasileiro. Com o Estatuto do Nascituro, as mulheres vítimas de estupro ganham um elemento adicional para ajudá-las a fazer uma escolha consciente, ao mesmo tempo em que se mantém a garantia de que elas não serão punidas se optarem pelo aborto.
Sabemos que o esforço para dissociar a criança do agressor chega a ser heroico, e por isso o Estatuto do Nascituro também prevê o encaminhamento da criança à adoção, rompendo a falsa dicotomia que só apresenta como alternativas válidas nessa situação fazer o aborto ou ficar com a criança com todas as consequências psicológicas que ambas as escolhas acarretam. Graças à exceção aberta pela lei para não punir abortos em caso de gravidez resultante de estupro, chega a haver uma pressão social para abortar quando uma mulher violentada se descobre grávida do estuprador. Joga-se sobre as costas da mulher, já fragilizada pela violência sofrida, a responsabilidade por uma nova violência, dessa vez contra a criança. A nova legislação permite à mulher buscar uma alternativa sem impedir que ela recorra às possibilidades já previstas pela lei atual; qualquer pessoa preocupada com a ampliação dos direitos da mulher deveria, portanto, receber o Estatuto do Nascituro como um avanço.
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