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Falta de vacinas tem causado suspensões das campanhas de vacinação contra a Covid-19 em várias cidades brasileiras.
Falta de vacinas tem causado suspensões das campanhas de vacinação contra a Covid-19 em várias cidades brasileiras.| Foto: Geraldo Bubniak/AEN

A população brasileira, felizmente, tem percebido que a vacinação contra a Covid-19 é a grande porta de saída para o país vencer a pandemia e finalmente deixar para trás todas as restrições ao convívio social e à atividade econômica, este dito “novo normal” que de normal não tem praticamente nada. As pesquisas de opinião mostram uma intenção maciça de se vacinar – algumas das sondagens mais recentes colocam essa adesão na casa dos 80% e até dos 90%, um sinal animador quando se considera que a pandemia estará sob controle com ao menos 70% da população vacinada. Mídias sociais estão repletas de registros em foto ou vídeo de pessoas celebrando o fato de receberem a imunização, seja na primeira ou na segunda dose.

Por isso, é compreensível que inúmeros brasileiros recebam como um banho de água fria as suspensões da vacinação em diversas cidades – principalmente a vacinação pelo critério de idade, que em vários centros urbanos já avançava pelos grupos de pessoas entre 35 e 45 anos. O motivo é a já conhecida falta de vacinas ou de insumos para produzi-las. Por mais que haja demanda da população e infraestrutura capaz de conduzir esforços de vacinação em massa – campanhas passadas contra a poliomielite ou gripe já mostraram que o Brasil consegue aplicar dezenas de milhões de vacinas em questão de dias ou semanas –, a velocidade de produção local (no caso do Instituto Butantan e da Fiocruz) e da entrega de vacinas importadas (como a da Pfizer ou da Janssen) não tem dado conta da necessidade, forçando as pausas até que novas remessas cheguem aos municípios.

Vacina para todos, o quanto antes, precisa ser a meta compartilhada por todas as esferas de governo; aos gestores cabe trabalhar para concretizar este objetivo, em vez de jogar com a expectativa dos brasileiros para obter dividendos políticos

A dificuldade no fornecimento é problema conhecido já há muito tempo tanto pelos governos quanto pela população. Isso não tem impedido gestores, principalmente estaduais, de publicar calendários prevendo datas de imunização para praticamente todas as faixas etárias acima de 18 anos e prometer que todos os que desejarem estarão vacinados até determinado mês, muitas vezes antecipando cronogramas divulgados anteriormente. Até maio, praticamente todo o país via o mês de dezembro como o momento em que a aplicação da primeira dose estaria concluída. Em 2 de junho, o governador paulista, João Doria, antecipou esta data para 31 de outubro. Dois dias depois, o gaúcho Eduardo Leite disse que a população adulta do estado receberia a primeira dose até 30 de setembro. No dia 13, Doria voltou à carga e prometeu imunizar todos os paulistas até 15 de setembro. Anúncios semelhantes começaram a surgir em outros estados brasileiros.

Faltou, no entanto, combinar com as duas pontas do esforço de vacinação: o governo federal, que distribui as doses aos estados, e as prefeituras, que as aplicam. E o Ministério da Saúde vem reduzindo periodicamente suas estimativas de entrega de vacinas – apenas neste mês de junho, houve revisão para baixo nos dias 2 e 10. Portanto, ainda que os governos estaduais, ao divulgar seus calendários, deixem claro que o seu cumprimento depende das entregas federais, é muito provável que os cronogramas tenham sido elaborados levando em conta um cenário que já se sabia ser otimista demais, resultando em um anúncio “mais político que técnico”, de acordo com a crítica feita pela secretária de Saúde de Curitiba, Márcia Huçulak. É preciso lembrar que, antes de Doria antecipar seu calendário, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, já considerava “muito otimista” um cenário em que todos os brasileiros adultos estivessem imunizados até o fim de dezembro.

A ressalva que condiciona o cumprimento do calendário às remessas federais acaba sendo conveniente para os governadores. Eles levam o crédito pelo anúncio positivo e, caso sejam cobrados pelas prefeituras – que arcam com o prejuízo midiático toda vez que precisam suspender a vacinação –, sempre poderão culpar o Ministério da Saúde, que não entregou o que devia. Impossível não associar esta situação à disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores a respeito de quase tudo que envolva o combate à pandemia, bem como ao cenário eleitoral que se desenha para o ano que vem.

No meio do fogo cruzado ficam os brasileiros comuns, cansados de restrições e esperançosos quanto ao momento em que poderão voltar a saborear pequenas e grandes alegrias que populações de muitos outros países já têm ao alcance: reuniões familiares, vida profissional e social normalizada, eventos culturais e esportivos. Vacina para todos, o quanto antes, precisa ser a meta compartilhada por todas as esferas de governo, pois este é o desejo da população; aos gestores cabe trabalhar para concretizar este objetivo, em vez de jogar com a expectativa dos brasileiros para obter dividendos políticos.

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