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Editorial

Os cubanos querem ficar

 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
(Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

O envio de médicos a outros países tem sido uma das principais fontes de renda da ditadura cubana nos últimos anos, depois que secaram as fontes soviética e venezuelana. Por isso, só um motivo muito sério levaria o país caribenho a suspender o envio de uma nova leva de profissionais, como acontecerá agora, com o cancelamento da vinda de 710 novos médicos ao Brasil, pelo programa Mais Médicos. No entanto, o governo cubano identificou uma epidemia de “maus exemplos”: ao fim dos três anos de contrato, são vários os profissionais que se recusam a voltar a Cuba. A Justiça brasileira já concedeu pelo menos 88 liminares a médicos que preferem ficar no Brasil, o tipo de comportamento que pode “contaminar” não apenas outros cubanos que venham ao Brasil, mas também compatriotas que trabalham em outros países.

Não há como tirar a razão desses médicos. Apesar de todas as restrições a que estão sujeitos, como a vigilância constante, é difícil pensar em voltar à ilha-prisão de Raúl Castro depois de ter passado alguns anos em um país livre. O governo cubano faz o que pode para forçar a manutenção do vínculo entre o profissional e seu país, inclusive criando todo tipo de dificuldades para que os médicos possam estar com suas famílias. Mesmo assim, o apelo da liberdade muitas vezes fala mais alto – às dezenas de médicos que buscaram a Justiça para ficar no Brasil se juntam outras tantas dezenas que simplesmente desertaram.

Não há como tirar a razão dos médicos cubanos que desejam continuar no Brasil

Infelizmente, nem todos os gestores de saúde compreendem a situação dos cubanos. O Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) recomendou que secretários não apoiem eventuais ações judiciais de médicos cubanos, nem façam críticas ao sistema pelo qual eles são remunerados. “É ruim para Cuba, é ruim para o Brasil”, disse Mauro Guimarães Junqueira, presidente da entidade. Mas a omissão seria ruim para os profissionais que tanto fizeram por suas comunidades e, sem esse apoio, se veriam forçados a fazer as malas quando definitivamente não desejam voltar a Cuba. Eles precisam, sim, ser ajudados.

O Mais Médicos foi desenhado com uma alegação nobre – levar profissionais brasileiros e estrangeiros a áreas carentes de assistência médica –, mas um objetivo real oculto, que era financiar a ditadura cubana. Agora que o governo federal já está livre das camaradagens ideológicas que caracterizaram a política externa da era petista, abre-se uma oportunidade para ajudar os cubanos que já estão no Brasil e por aqui desejam ficar, além de rever todas as regras que envolvem a contratação de profissionais daquele país.

Quando se trata dos cubanos, o Mais Médicos funciona de forma bem diferente na comparação com o contrato oferecido a profissionais de outros países. Existe uma triangulação com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que recebe os recursos do governo brasileiro e reparte o salário: uma parcela volta ao médico, e o restante – a maior parte, aliás – vai para Cuba, onde há nova divisão entre o governo e a família do profissional. Uma violação escancarada da legislação trabalhista brasileira e da própria dignidade dos médicos cubanos, à qual gestores de saúde fecharam os olhos por muito tempo.

Apesar das motivações tortas, é importante a iniciativa de levar médicos às periferias e rincões do Brasil – e, se não há interesse por parte dos brasileiros, não há mal nenhum em recorrer a estrangeiros. Mas é preciso fazê-lo de forma justa: os cubanos têm direito a seu salário integral, assim como os demais médicos que vêm trabalhar no Brasil, sem intermediários. Se o governo cubano recusar esse arranjo, apenas deixará clara a sua prática de usar essa força de trabalho como maneira de financiar o regime – uma “apropriação” que não envergonha os comunistas que tiranizam seu povo. Ao governo brasileiro cabe trabalhar para impedir esse tipo de arbitrariedade, mas sem deixar desassistidas as populações que, graças ao Mais Médicos, tiveram acesso talvez inédito a serviços de saúde.

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