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Editorial

Os curitibanos invisíveis

O maior perigo que pode nos acometer é a sensação de que os moradores de rua são mero componente da paisagem urbana. Apenas uma sociedade completamente anestesiada pode olhar para essas pessoas e não sentir absolutamente nada, nem mesmo indignação

Uma triste estatística curitibana foi revelada pela Gazeta do Povo em 7 de abril: a população de rua na capital paranaense subiu 25% entre 2008 e 2012. O dado tem como base o número de moradores de rua registrados pelo IBGE em 2008 e os atendidos pela Fundação de Ação Social (FAS) no ano passado. Embora as bases de dados sejam diferentes, ambas são confiáveis, o que deveria acender vários sinais de alerta.

Não se trata de uma mera situação de pobreza extrema: o vício em drogas ou o alcoolismo estão entre os principais fatores que empurram as pessoas para uma vida nas ruas. Esse dado evidencia um segundo desafio, o de recuperar pessoas que chegaram a perder até sua autonomia para substâncias como o crack; torna-se evidente a necessidade de integrar as políticas voltadas aos moradores de rua com as iniciativas que buscam a desintoxicação e a ressocialização do ex-dependente. Mas, antes mesmo de um programa de recuperação, a primeira necessidade de um morador de rua precisa é bem mais simples: atenção.

Ficou célebre a experiência do psicólogo Fernando Braga da Costa, que para sua dissertação de mestrado sobre a "invisibilidade social" trabalhou como gari, limpando as ruas do câmpus da Universidade de São Paulo. Seu relato, que acabou dando origem ao livro Homens Invisíveis, mostra como, ao vestir o uniforme, ele foi transformado em um ninguém, ignorado por qualquer um que não fosse gari como ele, e como o fato de desaparecer aos olhos da sociedade pode machucar um ser humano. A indiferença já é uma reclamação que a reportagem da Gazeta do Povo ouviu dos moradores de rua curitibanos. E ela é o maior perigo que pode nos acometer: a sensação de que essas pessoas são mero componente da paisagem urbana. Apenas uma sociedade completamente anestesiada pode olhar para um morador de rua e não sentir absolutamente nada, nem mesmo indignação.

Diante do problema, a prefeitura de Curitiba vem procurando formas de agir com mais eficiência. O prefeito Gustavo Fruet se comprometeu em tirar do papel o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal da População de Rua. De imediato, a nova gestão municipal quer mais vagas em albergues. A presidente da FAS, Márcia Olescovicz, sabe que isso não basta e afirmou estar interessada em um monitoramento que dê mais atenção aos moradores de rua, a ponto de se poder traçar o perfil de cada um, descobrindo quais são suas necessidades.

Mas o drama dos moradores de rua é grande demais para que os curitibanos deixem sua solução apenas nas mãos do poder público. A assistência social nasceu e cresceu como iniciativa independente do Estado, e a história registra exemplos de entidades, como ordens religiosas, que criaram incríveis redes de assistência que incluíam saúde, educação e o cuidado especial com os desamparados. No entanto, à medida que o poder público foi assumindo essa tarefa, a sociedade civil também foi se descuidando dela, com louváveis exceções. Associações de bairro, igrejas, clubes e demais instituições poderiam muito bem mobilizar seus membros para aliviar o sofrimento pelo menos daqueles que estão mais próximos. E não apenas com atitudes que oferecem remédio para uma necessidade urgente; o sopão, o abrigo para uma noite são necessários, mas ainda mais importante é a busca de meios que permitam a essas pessoas finalmente deixar as ruas e recuperar sua dignidade.

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