Dez anos atrás, a Gazeta do Povo e a RPC começavam a mostrar à sociedade paranaense um enorme esquema de corrupção implantado no coração da Assembleia Legislativa do estado: a contratação de funcionários fantasmas, por meio de edições secretas e avulsas, sem numeração, do Diário Oficial. Em 15 de março de 2010 e nos dias seguintes, várias reportagens mostraram como funcionava a roubalheira, quem estava por trás dos desvios milionários, como ocorriam as contratações e demissões dos fantasmas – muitas vezes, publicadas de forma retroativa, de forma que a Assembleia escondesse da sociedade os seus atos, impedindo o acesso a suas publicações oficiais.
Enquanto o Ministério Público Estadual criava uma força-tarefa para investigar o caso a partir das reportagens publicadas, a população paranaense e a sociedade civil organizada se mobilizavam de forma raras vezes vista no Paraná até então. O movimento “O Paraná que Queremos” contou com a participação de centenas de entidades, tendo à frente a seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil. Em junho de 2010, cerca de 30 mil pessoas tomaram a Boca Maldita, no Centro de Curitiba, para protestar contra a corrupção – outras 15 cidades também tiveram manifestações. A mobilização paranaense se tornou exemplo e inspiração.
Dez anos depois, é com tristeza que o Paraná olha para o que foi feito dos Diários Secretos
Acuada, a classe política respondeu imediatamente: Abib Miguel, até então diretor-geral da Alep, perdeu o cargo. O Legislativo paranaense anunciou uma série de medidas moralizadoras em seu quadro de funcionários e no sentido de melhorar o acesso à informação. Enquanto isso, dezenas de pessoas foram condenadas e presas, incluindo Abib Miguel e outros funcionários da Assembleia. Parecia que as denúncias, a mobilização e as investigações levariam ao desfecho que todo o estado esperava: a punição dos responsáveis pelos desvios.
Dez anos depois, é com tristeza que o Paraná olha para o que foi feito dos Diários Secretos, especialmente quando se trata dos dois deputados suspeitos de participar do escândalo: Nelson Justus e Alexandre Curi, respectivamente presidente e primeiro-secretário da casa à época. Foram necessários cinco anos para que o MP-PR denunciasse Justus ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR), e a corte levou mais de um ano e meio para aceitar a denúncia, que até hoje não foi julgada. Em dezembro de 2017, as investigações contra Curi foram trancadas, também por ordem do TJ-PR.
E, quando a justiça chegou a ser feita, decisões do TJ-PR providenciaram um triste anticlímax. Três condenações de ex-diretores da Assembleia Legislativa, incluindo uma das condenações de Abib Miguel, foram anuladas sob a alegação de que os processos incluíram provas ilegais: elas haviam sido colhidas na sede da Alep em uma operação ordenada por um juiz de primeira instância, quando, alegam as defesas, a ação policial só poderia ter ocorrido por ordem do TJ. Esse entendimento não é apenas equivocado – afinal, a Operação Ectoplasma II mirava servidores, e não deputados; por isso, podia ser deflagrada por ordem de um juiz de primeira instância –, mas frontalmente contrário a um precedente que o Supremo Tribunal Federal já tinha estabelecido, quando, ao analisar um caso semelhante envolvendo uma operação policial nas dependências do Senado Federal, decidiu que a prerrogativa de foro se aplica às pessoas, não aos locais onde trabalham.
A essa altura, é inevitável fazer uma comparação com a Operação Lava Jato, também ela surgida em solo paranaense. Nos dois casos, as instâncias inferiores trabalharam bem e com celeridade, enquanto nas instâncias superiores os processos caminham muito lentamente – até hoje, apenas um político foi condenado pelo STF no âmbito da Lava Jato, o ex-deputado paranaense Nelson Meurer. Como se não bastasse, decisões dessas mesmas instâncias superiores revertem o que foi construído nas instâncias inferiores: o TJ anula condenações ignorando a jurisprudência do Supremo, e o Supremo anula condenações com base em um formalismo descabido a respeito da ordem de entrega de alegações finais nos processos com réus delatores e delatados.
Há salvação para os Diários Secretos? Os julgamentos anulados serão refeitos e, apesar do erro do TJ-PR ao anular as provas da Ectoplasma II, o conjunto probatório contra os ex-funcionários da Alep continua robusto. A aceitação da denúncia contra Justus, em 2016, interrompeu o prazo de prescrição, mas não surpreenderia se o destino de Justus fosse o mesmo de Ezequias Moreira, o pivô do escândalo da “sogra fantasma”, julgado pelo Órgão Especial e condenado a uma pena que automaticamente o livrou de qualquer punição – um dia a mais de pena teria bastado para evitar a prescrição. Só uma mudança radical na forma como a Justiça vem lidando com os casos impedirá que o Paraná continue merecendo o epíteto dado pelo procurador Diogo Castor de Mattos, ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato, em artigo de 2017 para a Gazeta do Povo: “paraíso da impunidade”.