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A luta de pelo menos 150 dos 193 países filiados à Organização das Nações Unidas (ONU) tem dois objetivos principais. O primeiro, de curto prazo, é conseguir aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) de forma sustentável ao longo dos anos para, como efeito principal, criar o máximo possível de postos de trabalho e reduzir ao mínimo o desemprego. O segundo objetivo, de longo prazo, é conseguir que o crescimento do PIB ano a ano ocorra a taxas superiores ao aumento da população, a fim de viabilizar a elevação da renda por habitante e a redução da pobreza.
Como o crescimento populacional se dá anualmente a taxas regulares, ainda que em muitos países essa taxa venha se reduzindo, as estratégias macroeconômicas devem buscar crescimento regular e minimizar tanto quanto possível as oscilações bruscas na taxa de crescimento de um ano para outro. É o caso do Brasil, que praticamente não tem conseguido obter expressiva taxa de crescimento do PIB em um ano e mantê-la durante os anos seguintes. Pelo contrário: raro é o período em que o Brasil consegue manter crescimento elevado por mais de três ou quatro anos consecutivos.
Governos no mundo inteiro costumam desfilar um cardápio de justificativas para baixo crescimento ou reduções bruscas do PIB, ou seja, para recessões. A primeira lição a extrair da complexidade do mundo é que em nenhum tempo existirão simultaneamente todas as condições favoráveis ao crescimento econômico. Pelo contrário, a essência dos tempos modernos é a existência de falhas, instabilidades e obstáculos ao bom desempenho do sistema produtivo.
A primeira lição a extrair da complexidade do mundo é que em nenhum tempo existirão simultaneamente todas as condições favoráveis ao crescimento econômico
À medida que a população mundial explodiu (o mundo tinha 1 bilhão de habitantes em 1830 e, 192 anos depois, agora em 2023, está com 8,1 bilhões) e com a expansão do comércio exterior e das relações entre as nações, o normal passou a ser a existência regular de problemas e obstáculos políticos e econômicos em algum lugar do planeta, fazendo que o desafio de cada país seja como conseguir crescer mesmo sem as condições mundiais ideais e apesar das deficiências internas que emperram o crescimento.
Nestes anos iniciais da terceira década do século 21, o mundo vem sendo castigado por problemas antigos já conhecidos e alguns problemas novos, de forma que o desafio passou a ser como os governos e a sociedade podem conseguir mais competência para prosperar ao lado de algum caos em maior ou menor grau. O coronavírus paralisou o mundo em 2020, o isolamento social foi o mais radical jamais visto, o sistema produtivo suspendeu grande parte de suas atividades, o PIB teve queda substancial em quase todos os países.
No fim de 2021, com a ampla oferta de vacinas, a população começou a respirar aliviada, de forma a transparecer que 2022 poderia ser o ano da redenção e do retorno à normalidade com a retomada da produção, emprego e renda. Porém, no fim de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia e iniciou uma guerra praticamente inesperada. Mais de um ano e meio já decorreu e a guerra ainda está em andamento com os estragos de sempre: vidas ceifadas, desorganização da economia, escassez de abastecimento de gás e energia, e elevada dose de incerteza, posto que não se sabe quando a guerra vai terminar.
Na sequência dos eventos inesperados e prejudiciais à vida econômica, política e social, o mundo começa outubro de 2023 assistindo, chocado, ao ataque terrorista do grupo Hamas dentro do território de Israel, causando mortes de centenas de civis, entre os quais muitos idosos, mulheres e crianças. Como era de se imaginar, Israel lançou uma forte reação; o conflito se agrava e o mundo certamente vai entrar em mais um ciclo de tragédia econômica e humanitária, cuja magnitude é difícil prever. Porém, é certo que o mundo sairá dessa crise com alterações no arranjo geopolítico e nas alianças entre blocos e nações.
A situação atual e os desdobramentos que virão impõem fortes impactos na economia global a partir de agora, momento em que o mundo já vinha sofrendo efeitos da elevação das taxas de juros e seu potencial recessivo. A guerra na Ucrânia e a crise no Oriente Médio já provocaram aumento nos preços do petróleo, e novas elevações devem ocorrer em face do agravamento da situação mundial, especialmente se grandes produtores como o Irã forem arrastados diretamente para o conflito. As incertezas aumentaram de forma que é difícil prever a magnitude dos preços futuros do petróleo e derivados. Esse cenário tem potencial para desembocar em várias consequências negativas: aumento das dívidas governamentais, aumento das taxas de inflação, juros mais altos e, por decorrência, desaceleração da economia global.
A guerra na Ucrânia e a crise no Oriente Médio já provocaram aumento nos preços do petróleo, e novas elevações devem ocorrer em face do agravamento da situação mundial
Em situações parecidas no passado, o agravamento da crise e o aumento das incertezas provocaram recessão e pressões sobre o câmbio, se não em todas as nações, pelo menos naquelas mais afetadas pelos acontecimentos mundiais. De forma imediata, caem os investimentos empresariais e, também, os investimentos em ativos financeiros, particularmente no mercado de ações, que já sente o efeito da guerra. Os traders de títulos (compradores e vendedores de ações e títulos públicos e privados) já começaram a pisar no freio e passaram a direcionar recursos para aplicações em dólar, em busca de segurança diante do temor de um surto de alta na inflação casado com desaceleração no ritmo da atividade econômica.
Esse quadro internacional é extremamente prejudicial ao Brasil, pois o desafio de sempre continua sendo aumentar o PIB, o emprego e a renda, controlar a inflação e reduzir a pobreza, objetivos que, mesmo em cenário internacional positivo, exigem um bom governo e boa gestão financeira do setor público, virtudes que faltam ao Brasil. Juntando com a piora de um quadro internacional que já era ruim, as previsões para o Brasil são de baixo desempenho e atraso na luta para aumentar a renda por habitante e reduzir a pobreza. Assim, é lamentável que, com tantos problemas no radar da conjuntura econômica, o governo Lula não diga uma única palavra sensata sobre qual o plano, as políticas e as estratégias que o governo pretende adotar para o país enfrentar a dura realidade que aí está.