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Editorial

Os limites dos ministros do Supremo

 | Fellipe Sampaio/SCO/STF
(Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

Após a aprovação em caráter terminativo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, está no Senado um projeto de lei que proíbe ministros do Supremo Tribunal Federal de suspender leis por meio de liminares monocráticas, dentro de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) e Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). As medidas cautelares não ficam proibidas, mas só poderiam ser adotadas após aprovação do plenário da corte, com exceção dos períodos de recesso, em que apenas o presidente do STF poderia tomar tais decisões, que devem ser analisadas pelo plenário o quanto antes. O projeto do deputado Rubens Pereira Junior (PCdoB-MA) parte de um problema real, mas será a resposta adequada?

O ativismo judicial por meio de liminares monocráticas existe, e os ministros do Supremo não têm hesitado em governar por meio da canetada. Um caso grave e recente é o da liminar de Ricardo Lewandowski que colocou um ponto de interrogação em todo o programa de privatizações elaborado pelo governo Michel Temer. A interferência entre poderes é fonte de insegurança jurídica, com graves consequências sociais e econômicas que não podem ser ignoradas. Os episódios que se acumulam levam a sociedade a questionar se não há poder demais concentrado em uma única pessoa nessas ocasiões, e se há alguma maneira de frear essa tendência.

Vale a pena pensar em outras alternativas que priorizem uma resposta rápida do Judiciário

Por isso, a resposta encontrada pelo autor do Projeto de Lei 7.104/2017 soa bastante razoável. Mas, na verdade, ela joga o pêndulo para o outro lado: se hoje há ministros que extrapolam sua função e agem indevidamente, com o PL 7.104 eles podem ficar impedidos de tomar uma decisão quando é realmente necessário. As liminares, por sua natureza, são decisões de caráter urgente e que são tomadas quando o julgador considera haver o periculum in mora (“perigo da demora”) e o fumus boni juris (“fumaça do bom direito”). As duas expressões indicam que a liminar se justifica quando o magistrado identifica tanto a razoabilidade do pedido quanto o risco de que a demora na análise do mérito cause um dano grave ou até mesmo irreparável. Ninguém há de negar que, diante disso, as medidas cautelares são uma ferramenta imprescindível para a administração da justiça e precisam ser preservadas.

E não podemos excluir a hipótese de uma lei que, apesar de todos os debates e análises promovidos no Congresso e da sanção presidencial, seja inconstitucional e cuja aplicação, em todo o território nacional, represente um dano imediato. É razoável impedir que um ministro do Supremo – justamente a corte responsável por ser a guardiã da Constituição – possa tomar uma atitude célere para impedir o estrago? Isso seria subordinar a aplicação da justiça à autonomia do Poder Legislativo, desrespeitando inclusive o inciso XXXV do artigo 5.º da Carta Magna, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. É por isso que retirar a prerrogativa dos ministros do STF de conceder liminares contra leis aprovadas pelo Congresso nos casos de Adins e ADPFs cria uma situação em que um risco real de ameaça a direitos fique sem a resposta rápida que a justiça exige.

Na prática, sabemos que todos os poderes podem falhar – o Congresso pode aprovar e o presidente pode sancionar uma lei inconstitucional; um ministro, uma turma ou o plenário do Supremo podem derrubar uma lei perfeitamente constitucional, ou tomar decisões que afrontem a Carta Magna. Qualquer cidadão que acompanhe os acontecimentos de Brasília saberá elencar exemplos de tais situações. Trata-se de um cenário desafiador, que pede uma solução; mas, antes de tentar criar limitações tão grandes à ação dos ministros, valeria a pena pensar em outras alternativas que priorizem uma resposta rápida do Judiciário. Uma possibilidade seria não restringir a possibilidade de liminares monocráticas, mas determinar que elas sejam analisadas pelo plenário dentro de um prazo definido e que, se expirado, levará à derrubada da medida cautelar, com o retorno da vigência da lei questionada – um mecanismo que guardaria certa analogia com o da tramitação de medidas provisórias, que caducam se não são aprovadas pelo Congresso dentro de 60 dias. Qualquer alternativa de curto prazo, no entanto, não excluirá a real solução para o problema: a reconstrução de uma autêntica cultura democrática, em que os membros dos poderes estejam cientes de suas responsabilidades e suas limitações, e o ativismo judicial deixe de ser prática corrente para ser um recurso repudiado inclusive – e especialmente – dentro do Supremo.

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