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Editorial

Os magistrados e o corporativismo

 | Marcelo Camargo/Agência Brasil
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, não demorou muito para enfrentar o corporativismo das associações de magistrados que tentam, a todo custo, manter privilégios imorais e de constitucionalidade bastante duvidosa, para se dizer o mínimo. No apagar das luzes de 2017, logo antes do recesso judiciário, seu colega Luiz Fux finalmente liberou, depois de três anos, o caso do auxílio-moradia dos juízes para ser julgado em plenário. A presidente do STF, agora, já avisou as entidades que representam os magistrados: o tema estará na pauta da suprema corte em março.

Já era tempo. A concessão indiscriminada desse benefício, que tem valor fixo e é dado a todos os magistrados, mesmo àqueles que têm imóvel em seu nome na comarca onde trabalham – ou seja, o perfeito contrário do que se entende por “verba indenizatória”, o único tipo de acréscimo aos vencimentos permitido pela Constituição Federal –, já custou bilhões de reais e criou um efeito cascata, em que o contribuinte também banca as mordomias de membros do Ministério Público e outras instituições. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, só a Justiça do Trabalho estimava gastar quase R$ 200 milhões com o auxílio-moradia em 2018.

Curiosa estratégia, a de usar a transparência como ameaça, como se ela fosse algo nocivo

Mais interessadas na manutenção de privilégios que na moralidade e na legalidade, as associações de magistrados prometem uma “guerra ao Supremo”, que incluiria a pressão para que os ministros abrissem completamente as informações sobre quanto eles ganham, incluindo não apenas os seus vencimentos, mas também o dinheiro recebido por palestras e pela atividade docente – as associações estariam especialmente de olho em Gilmar Mendes, que já se declarou contrário à concessão indiscriminada do auxílio-moradia e é sócio de uma instituição de ensino.

Curiosa estratégia, a de usar a transparência como ameaça, como se ela fosse algo nocivo. Só funcionará, por certo, se os ministros tiverem algo a esconder. Se as atividades que exercem além da atuação como ministros do Supremo são lícitas, não há motivo algum para que os membros do STF se sintam intimidados ou pressionados. Também neste caso, quanto mais transparência, melhor – ainda que, às vezes, o esforço por colocar tudo às claras não seja motivado pelas razões mais nobres, como na ocasião em que a própria Cármen Lúcia reclamou dos Tribunais de Justiça que ainda não tinham enviado informações sobre os vencimentos de seus membros. Ela precisava dos dados, disse na época, “para mostrar que nem todo ‘extrateto’ é uma ilegalidade. Sem isso, fica difícil defender” – ou seja, a transparência, aqui, foi vista não como uma obrigação do servidor para com quem paga seu salário, mas como uma ferramenta de defesa corporativa.

O país entra em uma semana emblemática, na qual o cidadão comum, desiludido com o Executivo e o Legislativo, deposita grande esperança no Judiciário como instrumento para a construção de um Brasil melhor. Os juízes deveriam saber, mais que ninguém, que o Brasil está à procura de bons exemplos, comprometidos com a moralidade, com o bem comum, com a justiça em um de seus sentidos mais primordiais, que é a proteção do cidadão contra os abusos do poder. Do outro lado estão o patrimonialismo, o corporativismo, o privilégio, a imoralidade e, é preciso dizer, a ilegalidade que existe quando se concede uma benesse ao arrepio da Constituição. Os juízes e as entidades que os representam têm uma escolha a fazer.

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