Faz algum sentido que magistrados que podem vir a ter de julgar a constitucionalidade de um determinado tema tenham se reunido com líderes partidários sobre este mesmo assunto, especialmente quando no encontro em questão discutiu-se uma articulação para barrar um projeto de lei? Pois foi exatamente isso o que ocorreu em relação à PEC do voto impresso, que tramita no Congresso Nacional. No dia 30 de junho, presidentes e líderes de uma dezena de partidos – incluindo o Centrão, que teoricamente forma a base de apoio do presidente Jair Bolsonaro – se encontraram com quatro ministros do Supremo: primeiramente, com Alexandre de Moraes (que também é membro do Tribunal Superior Eleitoral), Gilmar Mendes e Dias Toffoli; depois, com Luís Roberto Barroso, que é presidente do TSE.
A PEC, que tem parecer favorável do relator Filipe Barros (PSL-PR) e deve ser votada em comissão especial na quinta-feira, prevê a impressão de um comprovante, em conjunto com a votação eletrônica normal, o que permitiria, segundo os defensores da proposta, que a contagem pudesse ser conferida, proporcionando maior segurança aos resultados. Não é nosso objetivo aqui analisar a questão do voto impresso ou auditável; sabemos haver bons argumentos de ambos os lados, mas vemos com preocupação a crescente tendência de deslegitimação do processo eleitoral, que pode levar a consequências desastrosas para a democracia. A questão é o envolvimento dos ministros do STF nesse tipo de discussão com líderes partidários.
O dever de imparcialidade dos magistrados exige que eles mantenham toda a distância possível de articulações que competem exclusivamente às forças políticas no parlamento
Em junho, na Câmara dos Deputados, Barroso afirmou que “se [o voto impresso] vier, nós cumpriremos”. A fala, no entanto, pode ser lida como a mera afirmação de que a mudança teria de ser acatada pela corte eleitoral. No entanto, o ministro também compõe a corte suprema, e o fato de ser um crítico contumaz do voto impresso, já tendo se pronunciado contra sua adoção em diversas ocasiões (inclusive na mesma fala aos deputados), o coloca em uma posição muito questionável caso o tema venha a ser judicializado – como certamente será, em caso de aprovação.
O dever de imparcialidade dos magistrados – mesmo os que fazem parte do TSE, como Barroso e Moraes – exige que eles mantenham toda a distância possível de articulações que competem exclusivamente às forças políticas no parlamento. Mesmo se admitindo (já que o conteúdo exato das conversas não foi divulgado) que eles simplesmente foram chamados pelos líderes partidários para ouvir um compromisso já acertado pela derrubada da PEC do Voto Impresso, já estamos diante de uma mistura nada saudável entre poderes; e, caso os ministros tenham se envolvido ativamente na tentativa de influenciar os partidos, estaríamos diante de um cenário extremamente preocupante, de juízes se portando como agentes políticos, extrapolando completamente as funções do Judiciário, que, em uma democracia saudável, só atua quando provocado, dentro do âmbito dos processos judiciais.
O envolvimento da corte eleitoral nas discussões sobre o voto eletrônico ou impresso é necessário – afinal, trata-se dos que organizam o pleito. Mas as informações necessárias para que os parlamentares tomem as decisões que acharem mais adequadas podem, por exemplo, ser fornecidas pela área técnica do TSE; e, quanto à articulação política, que seja feita única e exclusivamente entre os políticos, sem envolver juízes, muito menos ministros da suprema corte. Nestes tempos em que se enxerga suspeição onde ela não existe, e onde as suspeições reais acabam varridas sob o tapete, os ministros do Supremo apenas arriscam ainda mais sua credibilidade ao tomar parte em encontros como o de 30 de junho.