A chamada “guerra comercial China-Estados Unidos” começa pela imprecisão do nome. Não se trata apenas de brigas e disputas envolvendo questões de comércio exterior. Trata-se de conflitos e problemas muito maiores que assuntos de comércio, e envolvem estratégias geopolíticas mundiais; o papel de cada país no xadrez de poder global; e as perspectivas das duas nações em relação ao domínio econômico nas próximas décadas e ao equilíbrio de forças que governam o mundo. Há uma corrente de analistas e pensadores que apostam na tese de que a nação dominante no futuro pode deixar de ser os Estados Unidos e passar a ser a China, em função de cinco fatores: tamanho do PIB, produto (ou renda) por habitante, grau de tecnologia dominado, taxa de investimento como porcentual do PIB e tamanho do comércio exterior do país.
As disputas de curto prazo, como a tributação imposta pelo governo chinês aos produtos importados dos Estados Unidos, a retaliação do governo Trump, a desvalorização da moeda chinesa frente ao dólar, a reação do governo norte-americano, as declarações duras e provocativas de ambas as partes, entre tantas outras questiúnculas, são apenas o pano de fundo para uma questão muito maior. O Fundo Monetário Internacional fez estudos sobre o PIB chinês por habitante e informou que equivalia a 8% do PIB per capita americano no ano 2000, mas chegou a 28% em 2017; isso gerou uma espécie de pânico nos setores internos norte-americanos, que começaram a crer que seu país pode ser ultrapassado pelos chineses em prazo não muito longo, sobretudo porque, nessa toada e considerando que a população chinesa é igual a quatro vezes a população dos Estados Unidos, o PIB chinês – que em 2017 já equivalia a 120% do PIB norte-americano – pode chegar a ser o dobro do PIB dos EUA em 2050. Seria uma diferença brutal, jogando os Estados Unidos para um distante segundo lugar.
No curto prazo, não será surpresa se os dois lados mantiverem a elevação mútua das tarifas de importação e a insistência em políticas protecionistas
A tensão entre os dois países atingiu níveis elevados pouco antes do encontro do G7 ocorrido na França, iniciado no fim de semana passado, em função das declarações de Donald Trump de que ordenaria às empresas norte-americanas que fechassem seus negócios na China e buscassem outras opções para fabricação de seus produtos. Pouco antes, a China havia anunciado a imposição de novas taxas alfandegárias sobre produtos norte-americanos. Trump se irritou e levou o problema das práticas protecionistas para a reunião do G7, mas, uma vez instalada a reunião, os dois lados amenizaram suas declarações e afirmaram que pretendem voltar à mesa de negociações.
Quando a China desvaloriza sua moeda, como fez recentemente, ela acelera as exportações para o resto do mundo – as exportações se tornam mais baratas, mas os exportadores chineses não sofrem, pois eles recebam mais dinheiro nacional em troca dos dólares de suas exportações – e desacelera as importações, pois, ao contrário, os produtos importados se tornam mais caros. Isso reduz a demanda chinesa por produtos do exterior – o que prejudica inclusive o Brasil – e aumenta as reservas internacionais da China. Mas o governo de Pequim não usa apenas instrumentos econômicos, como a desvalorização de sua moeda; usa, também, meios políticos, como um suposto acordo com a Rússia capaz de fazer frente aos Estados Unidos e ao mundo ocidental, por meio de um eixo de poder mundial gigantesco. Embora tenham divergências históricas entre si, Rússia e China são antigos impérios que sempre se consideraram vítimas dos jogos de Estados ocidentais, sobretudo dos Estados Unidos.
- O G20 em meio à guerra comercial (artigo de João Alfredo Nyegray, publicado em 10 de julho de 2019)
- Apostas em instrumentos que ameaçam a todos (artigo de Vladimir Feijó, publicado em 12 de junho de 2019)
- Como a relação comercial entre China e EUA afeta os demais países (artigo de Almir Neves, publicado em 5 de janeiro de 2019)
Os novos lances dessa briga tendem a se repetir, embora ambos os governos saibam que os dois países estão de tal forma entrelaçados na questão econômica que estão obrigados a ficar em jogo de “bate e assopra”, estimulado pelo fator eleitoral dos Estados Unidos, onde haverá eleição presidencial em 2020, com Trump candidatíssimo à reeleição. Nesse xadrez complexo, um fator se destaca: as duas economias dependem uma da outra e não há risco de ruptura mais profunda. Porém, a convivência nos próximos anos – e certamente nas próximas décadas – não será simples, fácil e pacífica. A tensão pode ser a norma.
Nada indica que haverá conflitos bélicos ou guerra, mas o embate econômico, as rusgas comerciais, as brigas protecionistas e as disputas no cenário geopolítico internacional continuarão. No curto prazo, não será surpresa se os dois lados mantiverem a elevação mútua das tarifas de importação e a insistência em políticas protecionistas. Uma coisa é certa: a China continuará usando – como sempre usou – a desvalorização da moeda interna de forma impositiva (lá não há livre flutuação do câmbio por regras de mercado) para ter vantagem no tabuleiro do comércio exterior do país. Esse será sempre um ponto de atrito que, por fim, acaba provocando desdobramentos, a exemplo da elevação das tarifas de comércio bilateral.
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