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Editorial

Os pecados da carne

 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
(Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)

Adam Smith, grande defensor das vantagens da economia baseada na propriedade privada e na liberdade de produzir, publicou em 1776 A Riqueza das Nações, um clássico na explicação e defesa do capitalismo. Os adversários da economia livre costumam atribuir a ele a defesa dos empresários e do lucro, sempre dando a entender que o capitalista e o lucro são contra os pobres e contra a distribuição de renda. As duas coisas são falsas. Nem o capitalismo e o lucro são contra os menos favorecidos, nem Adam Smith era um defensor ingênuo dos empresários e dos capitalistas.

A primeira lição em economia é que antes de distribuir riqueza é preciso produzi-la, objetivo para o qual o melhor sistema é aquele que respeita o produtor de riqueza. As pessoas devem ser livres para empreender, investir, produzir e competir. Mas Adam Smith também era cético em relação à natureza humana e afirmava que os empresários, se deixados livres de quaisquer limites, tramariam contra o mercado e contra o consumidor. É famosa a passagem em que Smith diz: “Não é da bondade do padeiro e do açougueiro que devemos esperar nosso jantar, mas da defesa que eles fazem de seu próprio interesse”.

A sociedade organizada, geralmente via governo, deve impor leis sanitárias e fazer fiscalização rigorosa

Ora, em uma cultura que privilegia a honestidade e a excelência na prestação de serviços e no fornecimento de produtos; em uma “sociedade de confiança”, na definição do político e diplomata francês Alain Peyrefitte, em que o interesse do empresário é o de oferecer o que tem melhor para seu cliente, bastaria a proposta de Adam Smith: um sistema competitivo de preços que fosse capaz de punir o empresário ineficiente e levar à falência quem não conseguisse sobreviver competindo e satisfazendo o consumidor.

Obviamente, a “sociedade de confiança” não dispensa a existência de legislações e regulações. Além das leis comerciais, tributárias, trabalhistas e ambientais, no caso dos produtores de bens e serviços capazes de afetar a saúde humana – e isso vale, sobretudo, para alimentos e medicamentos –, há consenso de que a sociedade organizada, geralmente via governo, deve impor leis sanitárias e fazer fiscalização rigorosa, com punições severas aos transgressores.

Daí a gravidade de tudo o que vem sendo revelado pela Operação Carne Fraca. Os atos de venda de carne podre e contaminada, se comprovados, são apenas um exemplo de que entre empresários e burocratas de governo há pessoas sem escrúpulos, capazes de colocar em risco a vida dos demais pela adulteração daquela que é a necessidade material mais básica, o alimento. Este não é um ilícito qualquer, e que revela o quão longe ainda estamos de uma “sociedade de confiança”, pois a “defesa do interesse” se faz não pela excelência no trabalho, mas pelo crime, desde que se apresentem condições para tal, em geral na forma de corrupção.

Após o devido processo legal, com o respeito ao amplo direito de defesa, o único remédio é o rigor da lei e a punição exemplar dos responsáveis com prisão, perda de bens e proibição de ocupação de cargos no sistema produtivo nacional. Os principais inibidores de condutas criminosas são o Código Penal, o bom funcionamento da Justiça e o rigor das penas.

Infelizmente, os atos criminosos denunciados ocorrem no momento em que a economia tenta sair da recessão para recuperar a produção e o emprego. É chocante ver empresas com atuação expressiva no mercado nacional e internacional surgirem como acusadas de condutas gravíssimas cometidas por seus dirigentes e técnicos operacionais, com a cobertura de servidores públicos corruptos indignos da função que desempenham. Tudo precisa ficar esclarecido rapidamente, para separar culpados de inocentes, pois o estrago em termos de imagem e credibilidade aqui e no exterior já ocorreu em grandes proporções.

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