A proposta de emenda constitucional da reforma da Previdência tramitará primeiro na Câmara dos Deputados, e o presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já disse, na segunda-feira, quais devem ser os pontos que causarão mais atrito com os parlamentares. Segundo o deputado, as novas regras para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e para a aposentadoria rural, além do novo tempo mínimo de contribuição, serão entraves na discussão da proposta. À primeira vista, pareceria até que, removidos esses obstáculos, teríamos tudo para prever uma tramitação fácil da reforma na Câmara, mas o país inteiro sabe que não será bem assim.
É natural, em qualquer negociação, que as partes iniciem com demandas “impossíveis” para que se consiga o desejado. A reforma da Previdência certamente tem dispositivos dos quais o governo pode abrir mão, e alguns deles podem ter sido desenhados com essa dinâmica de negociação em mente. Seriam os “bois de piranha”, elaborados sob medida para atrair a oposição dos parlamentares e da opinião pública, levando o governo a recuar, demonstrando flexibilidade sem que tenha de mexer no que está na essência da reforma. A questão é saber até que ponto os itens elencados por Maia estão nessa categoria, ou se também são importantes para a reforma.
Maia se engana quando afirma que o impacto do BPC é irrelevante
Hoje, o BPC corresponde a um salário mínimo pago aos idosos com mais de 65 anos e deficientes que não têm condições de conseguir um emprego, com algumas exigências máximas de renda familiar. Na proposta do governo, o BPC seria de R$ 400 para beneficiários entre 60 e 69 anos, subindo para um salário mínimo a partir dos 70 anos. Ou seja, um grupo que hoje não recebe nada (os idosos de 60 a 65 anos) passaria a ter o BPC, mas outro, o das pessoas de 65 a 70 anos, perderia renda. Os R$ 400 foram alvo imediato de críticas, e de fato o valor é insuficiente para contemplar as necessidades de pessoas em situação de vulnerabilidade, como é o perfil dos beneficiários do BPC.
Por um lado, faz sentido argumentar que o BPC, por ser uma ferramenta de assistência social, não tem relação com a Previdência e, por isso, poderia ficar de fora da reforma – assim como outras propostas que o governo incluiu na PEC, e que tratam do FGTS de aposentados que continuem trabalhando. Mas Maia se engana quando afirma que o impacto do BPC é irrelevante, e que por isso ele poderia ficar de fora. O BPC custou, em 2017, R$ 50 bilhões. Isso corresponde a 40% do déficit primário de 2018 (R$ 120 bilhões) e 18,5% do déficit da Previdência no ano passado (quase R$ 269 bilhões). O BPC custa aos cofres públicos quase 75% mais que o Bolsa Família, que em 2017 distribuiu R$ 29 bilhões. Definitivamente, há um impacto fiscal relevante no BPC.
Os trabalhadores rurais, hoje, podem se aposentar com 60 anos, no caso dos homens, e 55 anos, para as mulheres, desde que tenham 15 anos de contribuição. A reforma pretende implantar idade mínima de 60 anos para ambos os sexos e 20 anos como tempo mínimo de contribuição. Maia gostaria de ver a aposentadoria rural retirada da PEC, alegando que o maior problema desse tipo de benefício é a fraude, algo em que o governo já vem trabalhando. Hoje, a aposentadoria rural é a maior fonte de déficit previdenciário: o rombo de 2018 foi de R$ 111,6 bilhões, contra R$ 72,3 bilhões dos trabalhadores urbanos na iniciativa privada. Apesar de as aposentadorias no campo serem baixas, com média ligeiramente superior a um salário mínimo, o sistema arrecada muito pouco, o que leva a um déficit substancial. A grande questão, ainda não respondida, é saber se o mero cancelamento dos benefícios irregulares trará algum equilíbrio ao sistema.
Leia também: Uma reforma da Previdência abrangente e necessária (editorial de 20 de fevereiro de 2019)
Leia também: Tudo sobre a reforma da Previdência
O BPC e a aposentadoria rural, no entanto, não são as únicas pedras no sapato do governo, já que o corporativismo também já começou a se manifestar. Servidores públicos muitíssimo bem remunerados pretendem ir ao Supremo Tribunal Federal, se for preciso, contra a alíquota de 22%, que consideram “confisco” – isso apesar de a alíquota incidir apenas sobre o valor que superar os R$ 39,3 mil, e não sobre o salário total. Um dos que já prometeram recorrer à via judicial é o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano. O governo não pode ignorar a suscetibilidade dos parlamentares às pressões do funcionalismo, que tentarão minar o princípio de que quem recebe mais terá de contribuir mais – este, sim, um pilar essencial da reforma.
A oposição a itens específicos da reforma e a fome de cargos do “Centrão” – que Bolsonaro não saciou quando montou seu primeiro escalão – são os grandes desafios que o governo terá no Congresso. Rodrigo Maia acredita que os deputados podem ser convencidos com o argumento de que, se não houver reforma, também não haverá dinheiro nos cofres públicos para as emendas parlamentares que os políticos tanto amam. Mas não deixa de ser desanimador perceber que, a julgar pelo que diz o presidente da Câmara, apenas o apelo à responsabilidade pura e simples não bastará para conseguir apoio a uma proposta que é essencial para o futuro do Brasil.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink
Deixe sua opinião