Desde a campanha do ano passado até agora, oito meses após a posse, o presidente Lula coleciona várias declarações públicas em assuntos de economia que, juntadas às falas de alguns ministros e parlamentares apoiadores do governo, produzem um conjunto de afirmações cujas partes conflitam entre si e agridem a mais elementar lógica econômica. Entre tantas declarações conflitantes, algumas são repetidas com certa insistência, a começar pela fala de Lula que, enquanto houver pobres, não haveria sentido em fixar teto para os gastos do governo. Essa foi a razão invocada por Lula para propor e conseguir, no Congresso Nacional, a revogação da lei do teto de gastos fixada no governo Temer.
Outra declaração de Lula, repetida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é a de que o déficit público não é um problema e que seu governo iria colocar o pobre no orçamento. Isoladamente, a ideia embutida nas declarações (ajudar os pobres) é positiva e, como objetivo, está correta. Para um pobre que ouve essas declarações, soa como se o governo fosse aumentar os gastos direcionados aos pobres sem se limitar ao teto fixado na lei, que foi revogada. É o mesmo caso do déficit público: as falas sugerem que o déficit será feito porque o governo vai gastar o valor equivalente com os pobres de algum modo e que, por isso mesmo, o déficit não tem consequência negativa.
Houve também declarações públicas do ministro Haddad, que o tempo todo ameaça aumentar impostos existentes ou criar tributos novos, como tributar dividendos, aumentar o imposto sobre herança (que é de competência estadual, não federal), criar imposto sobre grandes fortunas, tributar as empresas off-shore (aquelas que são montadas por brasileiros fora do Brasil) etc. O ministro Haddad, fiel ao estilo do chefe Lula, usa o mesmo argumento: colocar o pobre no orçamento, o que nada mais é que uma frase de efeito, um engodo, como se o orçamento público no Brasil nunca tivesse gastado dinheiro com programas direcionados aos pobres e como se realmente fosse assim que o governo gasta quando aumenta tributos.
A combinação de mais impostos, mais déficits e mais dívida gera um conjunto de efeitos negativos de forma a castigar de forma mais cruel justamente aqueles que o governo afirma defender: os miseráveis, os pobres e os assalariados
Vale lembrar a fala de José Sarney, que assumiu a Presidência da República em 1985, na qual ele reclamava que a carga tributária naquele momento era de 21% sobre o Produto Interno Bruto (PIB), quando poucos anos antes chegara a 25% do PIB, para então concluir dizendo que, se a carga tributária nacional aumentasse quatro pontos e retornasse aos 25% do PIB, o governo venceria a pobreza. Pois a carga tributária cresceu ano a ano e hoje atinge 34% em valor efetivamente arrecadado pelos cofres públicos, sem que nem a miséria nem a pobreza tenham sido extirpadas, e a razão é simples: os aumentos tributários vão para sustentar as corporações mais bem remuneradas no setor estatal, inchar a máquina de governo, dar a servidores benefícios que o resto da população não tem, e fazer gastos que nem de longe melhoram a vida dos pobres e dos miseráveis.
A técnica de lançar declarações disparatadas e dizer que tudo é feito pelos pobres e para os pobres, além de mentirosa e desonesta intelectualmente, tem um propósito: colocar o rótulo de “inimigo dos pobres” na testa de quem argumenta contra as medidas que aumentam gastos, aumentam impostos, fazem déficits e, por consequência, aumentam cada vez mais a dívida pública. Um fenômeno que tem ocorrido com persistência no Brasil é a elevação da carga tributária, que nunca tem sido suficiente para cobrir os aumentos de gastos públicos; por isso, a dívida pública não cessa de crescer.
A combinação de mais impostos, mais déficits e mais dívida gera um conjunto de efeitos negativos de forma a castigar de forma mais cruel justamente aqueles que o governo afirma defender: os miseráveis, os pobres e os assalariados. Não é preciso malabarismo técnico para concluir que a tríade impostos, déficits e dívidas fomenta a inflação, reduz os fundos disponíveis no sistema bancário para financiar os negócios privados, provoca elevação da taxa de juros, diminui os investimentos privados, retrai a capacidade de investimento do governo, freia o crescimento do PIB, enfim, impede o país de crescer de forma saudável com estabilidade de preços, aumento do emprego e elevação da renda por habitante.
Quando esses efeitos chegam, os mesmos políticos populistas que defenderam as medidas responsáveis pelas consequências dedicam-se a xingar os bancos, os banqueiros, o “neoliberalismo” (que ninguém sabe bem o que é), a crise internacional, o Banco Central e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Adicionalmente, eles começam a propor aventuras como o calote na dívida pública interna e na dívida externa, o tabelamento de juros e, de novo, mais aumento de impostos. Em várias oportunidades esse foi o roteiro de campanhas feitas pelo PT e suas entidades-satélites, não esquecendo que a Argentina e seus governos populistas são os mais contumazes em seguir esse figurino desastroso.
O Brasil está às voltas com uma reforma tributária – já aprovada na Câmara dos Deputados, atualmente tramitando no Senado Federal –, cujo efeito em termos de aumento da carga tributária é desconhecido no mínimo por uma razão: as alíquotas do Imposto de Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) serão fixadas posteriormente, em lei complementar, sem que ninguém possa prever o que sairá disso. Historicamente, nunca houve reforma tributária que tenha reduzido a carga tributária e nada indica que será diferente agora. Ainda que ela traga o aspecto positivo de desmontar o hospício tributário brasileiro, as dúvidas são enormes. Neste momento, as atenções se voltam para o Senado Federal, que vem sendo pressionado de todos os lados para aprovar exceções e modificações sobre a estrutura da reforma recebida da Câmara dos Deputados. O país tem de ficar atento para não incorrer no risco de ter elevação substancial da carga de impostos, que hoje já é alta.
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