Qualquer um que tenha visto as bandeiras e cartazes que dominaram as manifestações deste 15 de maio ficou com uma certeza: a educação e as mudanças no orçamento das universidades federais não passavam de um pretexto para impulsionar outras plataformas político-partidárias. Com o anúncio da redução de verbas, feito no fim de abril pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, a oposição de esquerda encontrou o mote perfeito para conseguir colocar nas ruas gente bem-intencionada e dar a impressão de que as suas pautas têm um apoio popular muito maior que o real.
Não podemos nos iludir. A esquerda, e o Partido dos Trabalhadores em especial, ainda tem um forte poder de mobilização, especialmente graças ao aparato que gira em torno do partido, como o sindicalismo, o movimento estudantil e a militância ligada a políticas identitárias. No entanto, podemos afirmar com toda a certeza que muita gente que foi às ruas no dia 15 não interromperia a sua rotina se tivesse sido convidada a participar de um ato “Lula livre”. Nem mesmo a oposição à reforma da Previdência – reforma absolutamente necessária, mas ainda impopular – conseguiu reunir tantas pessoas, como mostraram as tentativas frustradas de “parar o país” ainda durante o governo Michel Temer. Só restava, então, convocar a população para ir às ruas “defender a educação”, algo que tem muito mais apelo popular, e só então tirar da cartola a defesa do ex-presidente e atual presidiário, além do “fora Bolsonaro” e de outros discursos nada razoáveis, incluindo o ataque às reformas econômicas de que o Brasil precisa para voltar a crescer. O truque e a hipocrisia, portanto, estão expostos para quem quiser ver.
Muito pior que comunicação nenhuma é uma comunicação enviesada, incorreta ou agressiva
Nada disso, no entanto, justifica a resposta que o presidente Bolsonaro deu às manifestações. Chamar os manifestantes de “idiotas úteis” é fazer pouco de uma preocupação genuína por parte daqueles que estiveram nos protestos de boa vontade, exercendo um direito garantido constitucionalmente – direito este, aliás, que também cobre aqueles que convocaram ou lideraram os protestos interessados não no estado das universidades públicas, mas em atacar um governo do qual discordam. Muito mais digno, da parte de alguém que é presidente de todos os brasileiros, não apenas dos que o apoiam, teria sido lamentar toda a desinformação que foi construída em torno do assunto – desinformação que, infelizmente, acabou alimentada pelo próprio governo.
Afinal, foi o próprio ministro Weintraub que, inicialmente, anunciou que a redução de recursos se aplicaria apenas a três universidades, devido ao que chamou de “balbúrdia”. À medida que as críticas foram se avolumando, a história foi sendo alterada: o corte passaria a atingir todas as universidades federais; depois, divulgou-se que haveria não um corte, mas um contingenciamento, significando que os recursos poderiam voltar caso houvesse melhora na arrecadação federal. A própria controvérsia sobre a dimensão do bloqueio na verba se arrastou desnecessariamente por quase uma semana até ficar evidente que os 30% incidiam sobre a “parte discricionária” – excluindo, por exemplo, salários de professores e funcionários –, resultando, na prática, em uma redução de cerca de 3,5%. Toda a situação foi explicada com muito mais clareza nesta quarta-feira por Weintraub, no plenário da Câmara dos Deputados, e pelo vice-presidente Hamilton Mourão, em entrevista.
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Muito pior que comunicação nenhuma é uma comunicação enviesada, incorreta ou agressiva. Ao dar a impressão de que a medida tinha motivação ideológica, e não orçamentária, e ao demorar para desfazer uma impressão exagerada da dimensão do bloqueio de verbas, o governo ajudou a criar o clima que desembocou nas manifestações do dia 15, e que a declaração do presidente Bolsonaro não ajuda a amainar. Um caso evidente em que o governo poderia ter aprendido consigo mesmo. O episódio das universidades contrasta com o esforço de comunicação da reforma da Previdência, em que, depois de uma hesitação inicial, observa-se nítida melhoria na postura de Bolsonaro e da publicidade oficial, inclusive com a iniciativa de falar diretamente à população não para antagonizar oponentes, mas para deixar clara a necessidade da reforma. Aprimorar essa estratégia é uma tarefa que, se bem executada, evitará polêmicas desnecessárias e fortalecerá a agenda do governo.