Na semana passada, os ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento, apresentaram o plano do governo federal a respeito da política fiscal – que trata da política tributária, sua estrutura e previsão de arrecadação, de um lado, e da estrutura de gastos públicos, seu direcionamento e previsão orçamentária, de outro. A próxima etapa é o envio de um projeto de lei complementar ao Congresso Nacional.
Como já se sabe, o “arcabouço fiscal” que deve substituir a Emenda Constitucional 95/2016 trocou o teto de gastos, que limitava a despesa do governo à correção pela inflação, por um “piso de gastos”, já que o gasto primário anual terá aumento mínimo de 0,6 ponto porcentual acima da inflação ainda que as receitas e o PIB tenham desempenho ruim, embora também limite o crescimento da despesa a um aumento real máximo de 2,5 pontos acima da inflação. Entre este máximo e mínimo, o governo buscará manter a elevação do gasto primário em 70% do crescimento da receita do exercício anterior. O plano ainda prevê que o déficit primário será reduzido para 0,5% do PIB neste ano, será zerado em 2024 e virará um superávit em 2025 e 2026 – e isso será obtido sem criação de novos impostos nem aumento de alíquotas de impostos vigentes, promete Haddad; além disso, com o desempenho citado, a dívida pública ficaria contida no limite de 75% do PIB.
Ou as contas do arcabouço fiscal não fecharão ou, para fazê-las fechar, as promessas feitas não serão cumpridas, especialmente aquelas sobre a carga tributária
As metas e os indicadores referidos justificam pessimismo quanto às propostas do governo, principalmente considerando as declarações do presidente Lula claramente direcionadas para mais gastos públicos e suas promessas de elevar os gastos enquanto houver pobres no país. Alertado sobre o fato de que todas as entidades econômicas – pessoas, empresas, governos e o resto do mundo – têm limites em seus gastos, pois a economia é limitada pela lei da escassez, e que déficits públicos gigantescos terminam sempre em tragédia (recessão, desemprego, inflação, pobreza), Lula afirmou que os livros de economia estão superados – afirmação estranha, porquanto é público e notório que livros não são propriamente especialidade de Lula.
Mas a questão essencial em relação aos números divulgados por Haddad e Tebet é que eles não têm respaldo no desempenho das finanças públicas nos últimos meses. Em fevereiro deste ano, a receita do governo federal foi de R$ 159 bilhões, 1,28% maior que a do mesmo mês do ano passado, já descontada a inflação, e um recorde para fevereiro. Apesar dessa boa receita, no entanto, houve déficit primário de R$ 41 bilhões no mesmo mês – igualmente um recorde para fevereiro. Por sua vez, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023 previu um déficit de R$ 231,5 bilhões neste ano, enquanto Haddad anuncia que seu pacote de medidas pretende aumentar as receitas do governo e rearranjar os gastos de forma a trazer o déficit primário para R$ 100 bilhões em 2023.
Juntando tudo – os resultados de fevereiro, a previsão de déficit na LDO e a fala do ministro –, a conclusão é de que ou essas contas não fecharão ou, para fazê-las fechar, as promessas feitas não serão cumpridas, principalmente a de que o governo não pretende criar impostos nem elevar alíquotas de impostos (ou contribuições) já existentes. Não se tratar de desejar o pior nem ser contra o Brasil, mas caso o projeto de lei a ser enviado ao Congresso Nacional seja reprodução fiel da apresentação pública dos dois ministros, o choque entre a realidade atual das contas públicas e as propostas será inevitável, mesmo porque, em se tratando de contas públicas, não existe o chamado “orçamento de base zero”, aquele que parte da premissa de que o passado não existe e tudo será calculado a partir de bases formadas no momento em que se elabora o novo orçamento.
No caso do setor público, ocorre o inverso do “orçamento base zero”: a estrutura de todo o setor estatal está dada, e a absoluta maioria de seus gastos está definida pelo que já existe e que vem sendo executado nos anos anteriores. O mesmo raciocínio vale para as receitas tributárias que, em sua maioria, estão dadas na estrutura tributária vigente, que o ministro diz não ter intenção de alterar em sua essência de tributos existentes e alíquotas vigentes. Em resumo: as condições sob as quais os agentes econômicos farão previsões dificultam qualquer previsão, sobretudo aquelas de redução drástica dos déficits fiscais e do controle da dívida pública.