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Editorial

Os refugiados venezuelanos e o acolhimento humanitário

 | Mauro Pimentel/AFP
(Foto: Mauro Pimentel/AFP)

Embora não ganhe a mesma atenção da imprensa internacional, a crise de refugiados da Venezuela está ganhando proporções semelhantes às da tragédia síria. Enquanto a nação do Oriente Médio é engolida por uma guerra civil, o país latino-americano é vítima do governo despótico de Nicolás Maduro, onde o “socialismo do século 21” degenerou naquilo que os socialismos anteriores já tinham causado em outros países: no campo político, ditadura, fim das liberdades democráticas, perseguição aberta a opositores; no campo econômico, fome e miséria generalizada, escassez dos itens mais básicos, colapso dos serviços públicos essenciais. É por isso que muitos venezuelanos fazem o possível e o impossível para deixar o país: dados das Nações Unidas, citados pela revista britânica The Economist, indicam que, desde que a deterioração da Venezuela se intensificou, cerca de 4 milhões de venezuelanos já deixaram o país – no que já é o maior deslocamento forçado de pessoas na história da América Latina –, enquanto os refugiados sírios são 6 milhões.

O principal destino dessa fuga desesperada é a Colômbia, mas também o Brasil se vê pressionado pela crise migratória. Uma agravante é o fato de os cerca de 120 mil venezuelanos que chegaram ao Brasil recentemente terem como porta de entrada o estado de Roraima, que tem o menor PIB do país e não tem condições de prover os meios básicos de restaurar a dignidade dessas pessoas que deixaram para trás a fome e a violência. Todo o esforço dos governos federais e estadual, além de organismos internacionais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), não tem sido suficiente, e a explosão demográfica em Boa Vista e cidades de fronteira está acirrando os ânimos. No último sábado, a população de Pacaraima atacou acampamentos, abrigos improvisados e centros de triagem de refugiados, agredindo e provocando a fuga de 1,2 mil venezuelanos, em retaliação à violência cometida contra um comerciante local, vítima de assalto que teria sido realizado por venezuelanos. A indignação dos moradores foi ainda maior porque, segundo os relatos, a única ambulância que estava disponível na cidade era a da operação do Exército de acolhida aos refugiados, e não teria sido cedida para atender o comerciante.

A interiorização não tem ocorrido no ritmo e no volume necessários

O governo de Roraima tem solicitado à Justiça o fechamento da fronteira com a Venezuela, pedido atendido por um juiz de primeira instância no início de agosto, mas imediatamente revertido na segunda instância. Também a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, negou pedido semelhante, e uma segunda ação movida pelo governo de Roraima está no STF. Por mais que se reconheça os problemas criados pelo enorme influxo de venezuelanos nas cidades roraimenses, fechar a fronteira não é apenas uma decisão contrária ao ordenamento jurídico nacional, mas é principalmente uma negação dos mais básicos princípios humanitários. Seria dar as costas a pessoas no seu momento de maior desespero, condenando-as a permanecer em um país cujo governo não tem a menor piedade delas e forçando-as a refazer a jornada até outra fronteira pela qual possam escapar do inferno bolivariano.

Há solução? Já há bastante tempo parece evidente que deixar os venezuelanos indefinidamente acampados em Roraima, sem perspectiva nenhuma, não é bom nem para eles, nem para a população local. Depois da assistência humanitária imediata, que não pode esperar muito, o ideal seria que os refugiados, devidamente munidos com a documentação que lhes permita trabalhar e empreender, pudessem tentar a vida em outras regiões do Brasil, especialmente aquelas que tiverem melhores condições de acolhê-los. A interiorização, no entanto, não tem ocorrido no ritmo e no volume necessários para aliviar as tensões ocorridas em Roraima, que, em vez de lugar de passagem, se torna destino dos venezuelanos por tempo indeterminado.

Quando a ditadura bolivariana acabar e a Venezuela voltar a respirar democracia e estabilidade econômica, muitos dos que têm deixado o país certamente voltarão para aquela que é sua pátria. Mas, enquanto Maduro e seus cúmplices continuarem seu trabalho de destruição, o mínimo que o Brasil pode fazer é, além de manter a pressão internacional sobre o regime chavista, acolher aqueles que veem no nosso país a única oportunidade de escapar da fome, da miséria e da perseguição política. Quando esteve na favela de Manguinhos, durante sua visita ao Brasil, em 2013, o papa Francisco elogiou a hospitalidade do brasileiro: não aquela que se dirige ao turista rico que vem para ficar apenas alguns dias, mas a solidariedade com quem passa necessidade – exatamente o caso dos venezuelanos.

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