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Editorial

Os três anos que faltam

Não seria demais se, passado o bafafá eleitoral que tanto fatiga os nervos da Nação, o país hasteasse a Bandeira em torno de um problema que arruína o nosso futuro – o ensino médio, esse menor abandonado. Os dados estão aí, debaixo das fuças, a confirmar que a situação não anda muito católica. Com base em dados do IBGE calcula-se que 2 milhões de adolescentes em idade de cursar o antigo colegial andam fora da escola. Resta a pergunta: que país é esse que despreza uma leva de jovens como se fossem bananas?

É da missa o início. Mais da metade dos que frequentam o ensino médio tem "distorção idade e série". Ou seja, há uma parcela considerável de alunos que passaram por sucessivas repetências e ocupam, não raro, para tristeza dos professores, as fileiras do fundão, com tudo o que isso significa. Ali, formam um coro de descontentes. Para essa turma, a escola pode ter se tornado um peso, à qual responde com gracejos antes de se despedir, muitas vezes para não mais voltar.

O preço dessa revoada juvenil não é um filmeco da Sessão da Tarde, apinhado de rebeldes charmosos cercados de mocinhas, mas uma tragédia educacional que nos reduz a índices de evasão subsaarianos. A conta é tenebrosa – cerca de 50% dos que entram na escola a abandonam antes de chegar ao fim do ensino médio, configurando um dos mais retumbantes fracassos institucionais de que se têm notícia. Imagine o que aconteceria a uma editora, uma padaria ou uma fábrica de enlatados que lançasse ao lixo todos os dias a meia parte da sua produção.

O estágio atual, é bom que se diga, tem sua gênese nas mazelas do ensino fundamental, seu parente mais próximo. Raro um aluno que não carregue para os últimos anos de sua formação básica alguma deficiência de ensino trazida das etapas anteriores – seja de leitura, de cálculo ou de comportamento. Uma hora a corda arrebenta. É o que acontece. Exemplos não faltam.

Com base em análises do Sistema de Avaliação de Educação Básica, o Saeb, em São Paulo, 43% dos terceiranistas dominam conhecimentos que lhes garantiriam, no máximo, um lugar na oitava série. Sabe-se igualmente que há mais de dez anos as taxas de reprovação do ensino médio aumentam. O porcentual é de 11,5% ao ano de reprovação e de 15% em média de abandono.

Não há estudos conclusivos a respeito, mas é provável que esse caldeirão todo contribua para o tremendo demérito de que goza o ensino médio entre a população mais humilde. Basta puxar pela memória: alguma vez já ouvimos alguém maldizer a utilidade dessa etapa. Diz-se que pouco ensina. E que de pouco adianta para aumentar rendimentos. Seguindo esse raciocínio, como mostra o IBGE, não poucos o deixam para depois e para sempre.

A situação pede um plano, de modo a resgatar a imagem desses anos tão decisivos para o destino da juventude. Dá-lhe publicidade, pacto social e braço forte. Com mais gente irmanada em torno dessa causa, maior a chance de que as escolas encontrarão parceiros nas vizinhanças, empresários sensibilizados, tecnólogos empenhados em melhorar o estado das coisas.

Vale dizer, é claro, que nem tudo são sombras. Estudos do Ministério da Educação apontam que entre 2008 e 2009 houve avanços na frequência dos alunos, dando sinais de que um dos piores entraves do país – a fuga de adolescentes antes do término do antigo segundo grau – pode ser superado.

Mas a conta tende ao "noturno brasileiro": em meados dessa década, havia 5,7 milhões de alunos no ensino básico e 2,4 milhões concluindo o ensino médio, revelando que metade dos cursantes não chegava ao final do percurso. Dados do IBGE mostram que entre 15% e 18% dos brasileiros entre 15 e 17 anos não têm matrícula em nenhuma instituição de ensino. O que os espera do lado de fora dos muros não é nada do que se possa orgulhar: o subemprego, o atraso escolar e, em certa medida, exposição maior à indústria da violência, rápida em arrebanhar funcionários nas fileiras menos escolarizadas.

Não é preciso malabarismos mentais para imaginar o bicho que deu: o ensino médio é o endereço dos desmotivados, dos que esperam da escola o que ela, na maioria dos casos, não consegue lhes dar. Mas há sinais mais do que evidentes de que eles a desejam e respeitam. Estudo de 2007 da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, a Ritla, revela que o aluno evadido tenta voltar às escolas até seis vezes antes da desistência final.

Resta desenvolver um poder biotônico, capaz de manter o jovem na escola, fazer sua transição para o ensino superior, prepará-lo para o mercado de trabalho e, de sola, evitar que caia nas malhas do subemprego, onde o apelo para retomar os estudos costuma ser nulo.

Só com o empenho de várias instituições poderemos superar um índice que nos inferioriza: a massa da população tem menos de 7,5 anos de estudo. Esse baixo poder de fogo educacional traz no bojo o analfabetismo funcional, o conservadorismo, o baixo apreço à leitura, para citar três mazelas da população com baixa exposição à escola. É um quadro-negro.

Enquanto esse 7,5 não virar 12 anos de estudo, o país vai permanecer em 72.º lugar no Relatório Educação para Todos, da Unesco, selando nossa incapacidade para grandes empreitadas econômicas, sociais e culturais. Estivessem todos cientes dos ganhos da exposição ao ensino, o número "12" estaria nos ônibus, nas salas de aula, nos bancos de praça, como que apressando-nos em dar nossa parte nessa história.

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