O que consideramos moralmente aceitável ou condenável na relação conosco mesmos, com os demais, com o espaço público? Pesquisadores como Carlos Alberto Almeida, autor de A cabeça do brasileiro, já se dedicaram a esse tema, mas uma nova pesquisa joga mais luzes sobre nosso comportamento. “Moral e ética: quais são os valores que norteiam os brasileiros?”, da empresa Flyfrog, apresentou 34 frases aos entrevistados e pediu que eles as classificassem tendo como critério a gravidade das atitudes descritas. O resultado traz motivos tanto de esperança quanto de preocupação.
Em primeiro lugar, é de se comemorar o fato de o comportamento mais rejeitado ser o de fazer ou ajudar em um aborto. Na pesquisa, quanto maior a pontuação, mais condenável é o comportamento; quanto menor, mais aceitável ele é – o “ponto de equilíbrio” é a nota 1. O aborto ganhou dos brasileiros a nota 8,31, rejeição muito maior que a de qualquer outra situação descrita na pesquisa (agredir uma mulher teve nota 3,80 e não prestar socorro ficou com 3,18). Isso significa que, apesar de todas as campanhas e da pressão midiática, o brasileiro continua a perceber de forma inequívoca a crueldade da eliminação de um ser humano indefeso e inocente no ventre da mãe.
O brasileiro está tratando como aceitáveis ações que não deveriam sê-lo
E o resultado não pode ser atribuído à prevalência da “moral cristã”, como afirmou o coordenador da pesquisa, o sociólogo Rodrigo Toni. Afinal, a discussão sobre o aborto não é religiosa, e sim ética. Bem o sabia Norberto Bobbio, que não tinha crença religiosa e, em 1981, em entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera, foi preciso: “Eu me surpreendo que os não crentes deixem aos que creem o privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar”.
No entanto, a pesquisa revela outros aspectos preocupantes. A traição a um parceiro teve nota 0,47, ou seja, entraria na lista dos comportamentos aceitáveis. Mas, quando a traição – ou seja, a mentira – é vista como algo corriqueiro e moralmente aceitável, fica desmontado o alicerce sobre o qual se baseiam todos os relacionamentos. Afinal, se enganar até mesmo um parceiro amoroso não é algo malvisto ou criticável, o que se dirá de relações de amizade ou profissionais? Defender que os relacionamentos se baseiem na fidelidade e na verdade não é moralismo; é manter a convicção de que uma sociedade saudável só pode ser construída sobre a confiança mútua.
A aceitação da traição reflete uma mentalidade individualista, em que o único critério válido para a avaliação moral é o benefício próprio. Essa convicção se reflete na tolerância com outras ações, como a aquisição de produtos roubados (nota 1), fazer “gatos” (nota 0,23), oferecer suborno (nota 0,6) ou aceitá-lo (nota 0,86), ou furar fila (nota 0,06). Esses são comportamentos que vão muito além da epiqueia aristotélica (que consiste em contornar leis e regulamentos exagerados ou injustos e na qual se baseia boa parte do “jeitinho brasileiro”); a pesquisa mostra que o brasileiro está tolerante com uma série de pequenas corrupções que prejudicam outras pessoas ou negam o que é devido aos demais, seja indivíduos ou empresas.
Não se trata de considerar todos os comportamentos errados como igualmente graves – a moral não se resume ao preto e branco: seria absurdo considerar o furto igual ao homicídio, ou considerar o roubo de uma pequena quantia tão grave quanto o desvio de milhões dos cofres públicos. O problema, aqui, é outro: o brasileiro está fazendo uma gradação, mas nela está tratando como aceitáveis ações que não deveriam sê-lo. E ver como aceitáveis as pequenas corrupções amortece a consciência, abrindo espaço para tolerar ou cometer também as grandes corrupções.
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