O novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, havia colocado como um de seus objetivos à frente da corte a pacificação entre seus membros – uma coisa é ter legítimas discordâncias de opinião, e defender com firmeza seu ponto de vista; outra coisa é a hostilidade, as indiretas durante os julgamentos, ou mesmo os ataques abertos. Toffoli mal tinha conseguido costurar uma trégua entre Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso quando estourou uma nova rusga, desta vez entre Ricardo Lewandowski e Luiz Fux, a respeito da possibilidade de o ex-presidente e atual presidiário Lula conceder uma entrevista de dentro da cela em que cumpre pena em Curitiba.
O jornal Folha de S.Paulo havia feito a requisição ao Supremo, e na manhã de sexta-feira passada Lewandowski havia assinado liminar monocrática autorizando a entrevista e derrubando decisão da 12.ª Vara Federal em Curitiba, que havia proibido a realização de entrevistas. Poucas horas depois, Fux (que também é vice-presidente da corte e estava agindo como presidente em exercício), atendendo a pedido do Partido Novo, suspendeu a autorização dada pelo colega. Na tarde de segunda-feira, Lewandowski reafirmou a sua decisão, e ainda naquela noite Toffoli interveio, mantendo a proibição – ou seja, fazendo prevalecer, por enquanto, a posição de Fux.
Cada vez mais o Supremo perde seu caráter de corte colegiada para se tornar um amontoado de 11 “minicortes”
Todo o episódio está cheio de controvérsias. Há o próprio mérito da questão: afinal, a Lei de Execuções Penais proíbe ou não que um preso seja entrevistado? Eventual proibição constitui censura ou limitação à liberdade de imprensa? E também há questões processuais envolvendo a escolha do STF, em vez do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, para derrubar uma decisão de primeira instância; ou se o instrumento escolhido por Fux para manter a proibição da entrevista foi correto ou não. No momento, não é nosso objetivo analisar essas questões, e sim refletir sobre como o Supremo vem funcionando já há algum tempo, com grande ênfase em decisões monocráticas e um certo desprezo pela colegialidade.
Parece cada vez mais excepcional a postura corajosa e louvável da ministra Rosa Weber, durante o julgamento do habeas corpus de Lula, em abril deste ano. Naquela ocasião, ela contrariou as próprias convicções sobre o cumprimento da pena após condenação em segunda instância para respeitar o entendimento em vigor, definido pelo plenário do STF. Em vez disso, o que tem vigorado é a ênfase nas decisões monocráticas, que demoram a ser levadas ao plenário por culpa dos próprios relatores. E, nesse campo, tanto Fux quanto Lewandowski têm culpa no cartório.
Fux, por exemplo, é responsável pela liminar que, desde 2014, garante o pagamento do auxílio-moradia a todos os magistrados, de forma indiscriminada e inconstitucional. Ele só liberou a ação para o plenário no fim do ano passado, mas o retirou de pauta para uma infrutífera tentativa de conciliação. Lewandowski foi quem ordenou, no apagar das luzes de 2017, que o governo concedesse o reajuste aos servidores públicos que o Planalto havia adiado. O ministro só liberou o tema para o plenário quando o governo não podia fazer mais nada a respeito. Também foi Lewandowski quem prejudicou seriamente as privatizações de subsidiárias da Eletrobrás quando, monocraticamente, inventou exigências que não constam da Constituição para que o governo se desfizesse das empresas.
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É sintomático do desprezo pela colegialidade o episódio, narrado por quem esteve na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, do encontro entre Lewandowski e Toffoli na manhã de segunda-feira. O presidente do Supremo havia dito que sua intenção era levar a possibilidade da entrevista de Lula ao plenário nesta quarta-feira. Lewandowski, então, teria se enfurecido e ameaçado denunciar os “desvios de poder” no STF caso Toffoli seguisse adiante com sua intenção. Foi só depois desse encontro que veio a segunda decisão de Lewandowski, derrubada por Toffoli. De fato, até a publicação deste editorial o tema não constava da pauta do plenário para o dia 3, embora possa ser incluído durante a sessão.
Quanto mais se despreza o plenário, mais o Supremo perde seu caráter de corte colegiada para se tornar um amontoado de 11 “minicortes”, muitas vezes contraditórias entre si e contrárias até mesmo à jurisprudência estabelecida pelo tribunal. Quando, ainda por cima, decisões monocráticas são tomadas dentro de um clima de rivalidade ou hostilidade entre ministros, às vezes motivadas por convicções ideológicas que suplantam o caráter técnico da decisão, o risco de erros e injustiças é ainda maior. E não é isso que se espera da mais alta instância do Judiciário, aquela que é chamada a dirimir definitivamente os conflitos.
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