As manobras de Gilmar Mendes e o destempero de Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski não foram capazes de impedir o Supremo Tribunal Federal de recuperar parte de sua credibilidade, finalmente negando o habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Lula com o objetivo de impedir sua prisão, apesar da condenação por tribunal de segunda instância – no caso, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Depois de duas semanas nas quais vigorou um surreal salvo-conduto, a corte restabeleceu, por 6 votos a 5, o princípio de que a lei vale para todos.
A maioria dos ministros, é verdade, tentou vencer o público pelo cansaço, alongando-se desnecessariamente em seus votos, um desrespeito aos próprios colegas e ao país, que aguardava com ansiedade o resultado do julgamento. Mesmo depois do segundo intervalo, quando a noite já começava e ainda faltava o voto de seis integrantes da suprema corte, eles continuaram a ser prolixos, dando voltas em vez de declararem seu voto e resumirem sua argumentação aos pontos mais importantes. A presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, teve o mérito de conduzir a sessão até sua conclusão, sem mais adiamentos ou suspensões.
O desespero de Marco Aurélio e Lewandowski deixou evidente o quanto ambos estavam empenhados em livrar Lula
A dinâmica da votação foi alterada por Gilmar Mendes, que tinha voo marcado para Portugal e pediu a palavra logo depois do relator, ministro Edson Fachin, para declarar seu voto e tentar transformar o julgamento do habeas corpus em uma decisão de mérito sobre as teses relativas à prisão após decisão de corte de segunda instância. Felizmente, o “sequestro” do julgamento não prosperou e a sessão continuou dedicada exclusivamente ao caso de Lula. Isso foi decisivo para determinar os rumos da sessão, ainda que os ministros que votaram pelo deferimento do habeas corpus tenham se baseado justamente em sua oposição ao início do cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos; nenhum deles soube apontar qualquer irregularidade nas decisões específicas que condenaram Lula ou que, no caso do Superior Tribunal de Justiça, negaram seu habeas corpus anterior.
O momento que todos esperavam era o voto da ministra Rosa Weber, a grande incógnita da sessão, dado o seu posicionamento em defesa do início do cumprimento da pena apenas após esgotados todos os recursos em tribunais superiores. Ela reafirmou esse entendimento durante seu voto, e lembrou que precedentes não estão escritos em pedra e podem ser alterados caso os tribunais superiores reconheçam essa necessidade, defendendo inclusive uma nova apreciação do tema pelo plenário. Mas Rosa ressaltou que, frustrada a manobra de Gilmar Mendes, o julgamento desta quarta-feira não era sobre a constitucionalidade da prisão após decisão de segunda instância, e sim sobre o caso específico de Lula.
E, em uma profunda demonstração de honestidade intelectual, a ministra reconheceu que, mesmo tendo sido parte vencida nos julgamentos de 2016, é preciso seguir o que foi decidido naquelas ocasiões, e por isso ela não tinha como ver ilegalidade nenhuma na decisão do STJ que, por 5 a zero, havia rejeitado o habeas corpus preventivo impetrado pela defesa de Lula naquela corte. Vigorando a posição atual, que permite a prisão após decisão de segunda instância, e sem detectar nenhuma arbitrariedade nas decisões anteriores – nem de Sergio Moro, nem do TRF-4, nem do STJ –, a ministra concluiu que não haveria motivo para decidir em favor de Lula. Rosa ainda fez uma bela defesa da segurança jurídica, afirmando que não se pode ficar alterando entendimentos a todo momento – o que, esperamos, inspire os ministros quando o plenário for novamente chamado a se debruçar sobre as teses a respeito do início do cumprimento da pena.
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A reação de Marco Aurélio e Lewandowski, que passaram a interromper Rosa Weber quando ficou evidente que ela negaria o habeas corpus, mostrou o nível a que podem descer alguns dos ministros – Marco Aurélio chegou a insinuar que Rosa era inexperiente, citando o fato de ela ter sido nomeada para o STF em 2011. A ministra soube rebater os ataques, mas o desespero da dupla deixou evidente o quanto ambos estavam empenhados em livrar Lula.
No fim do julgamento, a defesa de Lula ainda tentou duas cartadas. Quando faltavam apenas dois votos, pediu um novo salvo-conduto para Lula, que desta vez durasse até o julgamento das ações de relatoria de Marco Aurélio Mello e que tratam do início do cumprimento da pena. E, quando chegou a vez de Cármen Lúcia desempatar, o advogado José Roberto Batochio invocou o regimento do STF para argumentar que a presidente da corte não deveria votar, deixando o julgamento empatado, o que beneficiaria Lula. Cármen, no entanto, rebateu com o próprio regimento e conseguiu o apoio de todos os ministros para proferir o voto que selou o destino de Lula, mas foi imprudente ao colocar em votação a liminar pedida pela defesa, ainda que proveniente de um habeas corpus negado – felizmente, Marco Aurélio e Lewandowski ficaram sozinhos na intenção de manter Lula livre.
Desta vez, a impunidade não prosperou. Sim, é possível que, num futuro próximo, o Supremo coloque na pauta as ações liberadas por Marco Aurélio e mude o entendimento que voltou a adotar em 2016, após um hiato de sete anos, e com isso coloque de volta na rua todos os presos que aguardam recurso em tribunais superiores – os da Lava Jato e todos os demais. Mas, enquanto isso não ocorre, a maioria (ainda que apertada) dos ministros se recusou a considerar um brasileiro em particular acima das leis, ainda que este brasileiro se julgue imune às instituições.
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