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Quando uma sociedade desconfia de suas próprias instituições, tudo pode acontecer. Dependendo do grau de desconfiança, a ruptura pode tomar o caminho da violência; em outros casos, "dá-se um jeito" de desconhecê-las e seguir com a vida como se elas não existissem ou não fosse necessário respeitá-las. Segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada esta semana, 81% dos brasileiros acreditam que desobedecer às leis "é fácil", o que, em tese, poderia levá-los a transgredi-las.

A tradução de sentimento tão generalizado é a de que não há polícia nem Justiça no país capaz de punir todas as transgressões, como demonstram outros índices levantados pela mesma pesquisa: apenas 32% dos cidadãos confiam no Poder Judiciário e 33%, na polícia. O corolário desta equação nos induz, então, a entender por que 57% dos entrevistados disseram aos pesquisadores da FGV haver "poucos motivos para seguir as leis no Brasil".

Não é à toa que chegamos a esse ponto. Ruy Barbosa, nos primórdios do século passado, já se apresentava pessimista com a nossa realidade, em um discurso frequentemente citado, mas que nunca é demais recordar: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto". Não são da época de Ruy Barbosa os mensalões e petrolões, mas evidencia-se que já então ser honesto não era uma virtude a ser praticada com convicção pelo mais comum dos cidadãos, pois maus exemplos vinham de cima.

A infindável corrente do mal produz metástases no seio da sociedade, na medida em que, não importa quão severa seja a pena prevista para quaisquer delitos, prevalece o senso de ser mínima a chance de a lei e as autoridades incumbidas de dar-lhe cumprimento alcançarem os delinquentes. A partir daí, ainda que intuitivamente, cada vez mais brasileiros se sentem tentados ou mesmo cometem delitos com a intenção de auferir pequeníssimas vantagens em relação à grande corrupção que vê estampada diariamente nos noticiários.

Furar o sinal vermelho se não houver um guarda por perto; usar o cartão-transporte do parente idoso para andar de graça no ônibus; emprestar a carteira do amigo estudante para pagar meia entrada no espetáculo; esconder da Receita uma fatia do que ganha para diminuir o Imposto de Renda; forjar um atestado médico para faltar ao serviço; instalar em casa um aparelho que lhe permite acessar sem pagar os canais de tevê por assinatura – são hábitos desonestos a que se dão milhões de cidadãos com a naturalidade de quem nada deve às leis nem à própria consciência.

Há o caminho inverso: na medida em que a população se comporta de modo autotolerante, passa a ter a mesma atitude de tolerância com a corrupção que campeia nos estamentos superiores – um círculo vicioso que condena o país a manter o mesmo péssimo e disseminado grau de desrespeito à ética e às boas práticas de cidadania e governança.

Se queremos que nossas instituições sejam respeitadas e acatadas – ou melhor, se quisermos ter autoridade moral para desacreditá-las –, é preciso começar por baixo. Por isso, são muito bem-vindas as iniciativas que se multiplicam nas redes sociais, conduzidas por instituições como a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público, buscando alertar e conscientizar a sociedade sobre a transgressão às boas práticas e ressaltando a necessidade de adotar um comportamento mais ético no cotidiano de cada um. Criticar as pequenas corrupções é necessário, mas é ainda mais importante exaltar os bons exemplos.

Afinal, uma sociedade sem leis, sem autoridade e sem respeito aproxima-se da selvageria, onde quem manda é quem pode mais. Este não é o Brasil que queremos.

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