Durou pouco o mais novo bloqueio judicial do WhatsApp, implantado e derrubado na tarde de terça-feira. Mas essas poucas horas foram suficientes para despertar nova polêmica sobre a desproporcionalidade e a cegueira de certas decisões judiciais, bem como a colisão de direitos como privacidade e segurança.
Diferentemente do bloqueio de maio deste ano, em que um juiz solicitou o conteúdo de mensagens já enviadas entre investigados e não foi atendido, no caso desta semana a Justiça solicitou ao Facebook (proprietário do WhatsApp) que, a partir de então, as conversas travadas entre investigados fossem repassadas às autoridades antes de serem criptografadas – na prática, um “grampo de WhatsApp”. O Facebook alegou impossibilidade técnica de cumprir a requisição e ainda por cima, de forma claramente acintosa, respondeu em inglês ao pedido judicial, solicitando que a comunicação passasse a ser feita naquele idioma, como se o Facebook não tivesse escritório e funcionários no Brasil capazes de lidar com a demanda. A negativa da empresa levou a juíza Daniela Barbosa, da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias (RJ), a determinar o bloqueio do aplicativo.
Para fazer cumprir a lei não se pode extrapolar os limites e deixar de lado a razoabilidade
O Facebook alega que é impossível realizar interceptações de troca de mensagens por causa da tecnologia de criptografia que emprega na transmissão de dados. Isso torna o WhatsApp mais competitivo, pois é natural que os usuários de um serviço de comunicação on-line prefiram opções que lhes garantam o máximo de privacidade: trata-se de ter certeza de que suas conversas não cairão na boca do povo ou nas mãos do Estado. Mas isso tem um impacto na segurança pública, pois a privacidade que o WhatsApp oferece às pessoas honestas para suas conversas cotidianas funciona também em favor dos criminosos. Até que ponto é saudável desenvolver ou propagar um instrumento de comunicação tão inviolável que impeça inclusive a cooperação com autoridades policiais e judiciais?
Mas este conflito entre privacidade e segurança nem de longe é o aspecto mais grave da decisão que mandou bloquear o WhatsApp. A reflexão que o momento exige é: ainda que o Facebook estivesse zombando da Justiça e mentindo sobre a possibilidade de atender o pedido judicial – o que poderia ser, inclusive, encarado como crime de obstrução da Justiça –, o bloqueio do aplicativo seria a resposta ideal? A resposta é um sonoro “não”.
Aqui entra em jogo o equilíbrio entre o objetivo que se pretende atingir e o dano que certa medida causará. Decisões judiciais precisam ser gravosas na justa medida da necessidade; jamais devem penalizar de forma excessiva. E não há a menor dúvida de que a juíza Daniela Barbosa extrapolou e muito os limites do bom senso e não aprendeu com os casos anteriores de bloqueios posteriormente derrubados em instâncias superiores. Suspender o aplicativo não apenas não ajuda em nada as investigações em tela como ainda prejudica milhões de brasileiros que nada têm a ver com o caso, muitos dos quais usam o WhatsApp para questões profissionais, avisos urgentes e outras situações de suma importância. Em vez de adotar punições que atingissem apenas o Facebook – como, por exemplo, uma multa vultosa –, optou-se por violar direitos de uma população inteira.
É por essa razão que fez bem o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, em suspender a decisão, alegando sua desproporcionalidade. Não há dúvidas de que uma empresa, ao operar no país, precisa se conformar ao ordenamento jurídico nacional (embora a lei ou o Estado não possam exigir o impossível). Mas para fazer cumprir a lei não se pode extrapolar os limites e deixar de lado a razoabilidade. Que a intervenção do presidente do Supremo, ainda que em caráter liminar, desencoraje futuras decisões semelhantes e restabeleça o bom senso.
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