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Editorial

Pablo Marçal e o retorno da censura nas eleições

Suspensão das redes de Pablo Marçal (PRTB) tem caráter liminar. (Foto: Renato Pizzutto/Band)

A censura voltou com tudo à disputa eleitoral, e no maior colégio do país, o município de São Paulo (SP). Atendendo a um pedido do PSB, partido da candidata Tábata Amaral, um juiz eleitoral determinou na sexta-feira, dia 23, em caráter liminar, a suspensão dos perfis de outro candidato, Pablo Marçal (PRTB), no Instagram, no YouTube e no TikTok, bem como a derrubada do site de campanha. No caso do Instagram, a decisão foi colocada em prática na noite de sábado, no exato momento em que Marçal fazia uma live que era assistida por mais de 100 mil pessoas. Um recurso do candidato ao TRE-SP foi negado, também monocraticamente, nesta quarta-feira.

No centro da polêmica estão os chamados “cortes”, segmentos curtos de vídeo de alguma fala de Marçal ou de sua participação em debates, que outras pessoas fazem e espalham pelas mídias sociais com o objetivo de fazê-los viralizar. Os advogados do PSB alegaram que os “cortadores” mais bem-sucedidos estariam sendo remunerados não só pelas próprias mídias sociais, que pagam donos de perfis de grande alcance, mas também com dinheiro do próprio Marçal. Essa prática colidiria com normativas como a Resolução 23.610 do TSE, datada de 2019 e atualizada em 2024; ela afirma, no artigo 28, que a propaganda eleitoral na internet pode ser feita “IV – por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas, dentre as quais aplicativos de mensagens instantâneas, cujo conteúdo seja gerado ou editado por: b) pessoa natural, vedada: 1. a contratação de impulsionamento e de disparo em massa de conteúdo (...); 2. a remuneração, a monetização ou a concessão de outra vantagem econômica como retribuição à pessoa titular do canal ou perfil, paga pelas(os) beneficiárias(os) da propaganda ou por terceiros”.

Não é necessário apoiar Marçal para reconhecer que a sociedade não pode tratar com ligeireza decisões que suspendem perfis, como se fossem um simples fato da vida, banalizado pela forma como STF e TSE vêm agindo há anos

Suponhamos, apenas para propósitos de argumentação, que tenha ocorrido ilícito eleitoral. Ainda assim, o que salta aos olhos é a desproporcionalidade completa na aplicação da medida cautelar. A derrubada completa de perfis e contas na internet, como já lembramos em inúmeras ocasiões, não existe nem no Marco Civil da Internet, nem na legislação eleitoral, nem nas resoluções do TSE. Ela equivale a censura prévia, pois priva o dono das contas de se expressar sobre qualquer assunto, e se torna ainda mais danosa em período eleitoral por tirar de um candidato um meio importante de se fazer conhecido e de se comunicar com seus eleitores, especialmente quando se trata de alguém que não tem à disposição muito tempo de propaganda política em rádio e televisão.

E nem serviria como atenuante o fato de a decisão afirmar que “não se está (...) a se tolher a criação de perfis para propaganda eleitoral do candidato requerido, mas apenas suspender aqueles que buscaram a monetização dos ‘cortes’ por meio de terceiros interessados”, o que diferencia a decisão contra Marçal de muitas outras, tomadas pelo STF e pelo TSE, que buscam efetivamente banir a presença virtual de certas pessoas. Pelo contrário, o trecho em questão revela a incoerência da medida. O juiz eleitoral não vê problema na existência de perfis de Marçal, afirmando que o objetivo é o de conter a monetização dos “cortadores” paga pelo candidato; ora, se é assim, não seria necessário suspender suas contas originais, forçando-o a recorrer a “perfis reserva”; bastaria ordenar o fim dos pagamentos e a remoção de qualquer referência a “competições de cortadores” – estas, sim, medidas previstas pela lei.

Mas há, ainda, outra possibilidade: a de que não tenha ocorrido ilícito – por exemplo, se os concursos tenham sido realizados e encerrados ainda na pré-campanha, cujas regras são muito mais abertas que no período eleitoral, iniciado no último dia 16. É o que Marçal alega, por exemplo ao dizer em entrevista recente à CNN Brasil que encerrou o incentivo às competições uma vez iniciada a campanha. Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam a existência de uma “zona cinzenta” pela falta de regulamentação mais clara a respeito do assunto. Se Marçal soube aproveitar as brechas para ampliar sua presença na internet sem de fato desrespeitar a lei e as resoluções da Justiça Eleitoral, sua punição – que, ressalte-se, já é desproporcional mesmo na presença de alguma irregularidade – torna-se ainda mais absurda e arbitrária.

Tenha ou não havido o ilícito eleitoral, é irônico que o pedido de Tábata Amaral mencione o artigo 5.º da Resolução 23.735/2024 do TSE como base jurídica para uma determinação de suspensão de perfis. Afinal, tal artigo afirma categoricamente que “o exercício da competência de que trata este artigo será orientado pela mínima intervenção” (destaque nosso). O que ocorreu foi justamente o oposto, a máxima intervenção. É possível e necessário investigar, por óbvio, se os “cortadores” receberam dinheiro de Marçal ou de seu partido, e não apenas das mídias sociais; apurar se a prática, caso existente, se deu durante o período eleitoral (o que Marçal nega); verificar que tipo de efeito os “cortadores” obtiveram, e se eles causaram algum desequilíbrio indevido na campanha (por exemplo, se usuários da internet receberam os “cortes” contra a sua vontade, ou se eles foram vistos apenas por quem seguia voluntariamente os perfis). Apurar as possíveis irregularidades e agir para coibi-las ou preveni-las, de forma pontual, é permitido pela lei eleitoral, ao contrário da suspensão sumária de perfis e contas.

A personalidade, opiniões e plataformas do candidato Marçal não estão em jogo nesta discussão. Não é necessário apoiá-lo para reconhecer que a sociedade não pode tratar com ligeireza decisões que suspendem perfis, como se fossem um simples fato da vida, banalizado pela forma como o TSE agiu em 2022 e como o Supremo vem agindo há muitos anos. A facilidade com que o monstro da censura voltou a assombrar o Brasil depois de o termos considerado enterrado com a redemocratização é sinal de que a sociedade baixou a guarda, tolerando o intolerável apenas porque se dirigia aos adversários políticos. É hora de reagir.

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