Os piores temores em relação ao tão prometido e tão adiado pacote de corte de gastos do governo Lula se concretizaram na quarta-feira, quando o ministro Fernando Haddad, em cadeia nacional de rádio e televisão, anunciou as medidas que exigiram tanto tempo de negociação, com direito a ameaças de demissão de ministros da área social. Antes da noite do dia 27, a parcela do Brasil minimamente atenta já suspeitava que o governo não tivesse a menor ideia a respeito do que fazer, e que qualquer pacote provavelmente estaria longe do necessário para conter a crise fiscal que provoca inflação e força juros mais altos. Agora, todos temos certeza disso, para a tristeza de uma nação que não vê solução no futuro próximo.
Em um país que precisa desesperadamente reduzir seus gastos, tudo o que Haddad conseguiu oferecer foi um conjunto desconexo de medidas que, em sua maior parte, apenas reduzem a velocidade do aumento da despesa, em vez de efetivamente cortá-la. E tudo embalado em marketing e mentira. No pronunciamento, Haddad justificou a necessidade do pacote alegando o “cenário externo, com conflitos armados e guerras comerciais”, quando é notório que o desarranjo brasileiro é produto genuinamente nacional. O ministro exaltou um crescimento baseado em estímulo ao consumo, superaquecendo a economia, como se o PT estivesse salvando o país, e não lançando as bases para a repetição da crise de 2015-16. E, por fim, embalou as medidas em dois slogans, “Brasil eficiente” e “Brasil justo”.
O Brasil precisava que seu governo reduzisse despesas; em vez disso, ganhou medidas que apenas freiam ligeiramente a velocidade de aumento da gastança, e uma potencial queda abrupta na arrecadação
Quando se retira a maquiagem, no entanto, o retrato do pacote de Haddad é deprimente. A tão alardeada “contribuição importante” das Forças Armadas consiste em mudanças que ainda as deixam em enorme vantagem em comparação com as regras previdenciárias que regem a maioria dos brasileiros, e que apenas farão cócegas no déficit do sistema de proteção social dos militares. O combate aos supersalários é um imperativo moral, mas ainda deixará inúmeras brechas para vencimentos bem superiores ao teto constitucional. O salário mínimo, ao qual estão indexados vários outros gastos governamentais, seguirá tendo aumento real garantido, ainda que agora limitado a 2,5 pontos porcentuais acima da inflação. Algumas medidas se destinam a coibir fraudes e concessão indevida de benefícios sociais. Se Haddad não usou a palavra “corte” no seu pronunciamento, foi porque, de fato, corte praticamente não há.
Não bastasse a mediocridade do pacote de Haddad, incapaz de garantir qualquer equilíbrio às contas públicas, Lula e a equipe econômica ainda resolveram colocar sua cereja do bolo, como se o pacote fosse tão severo que necessitasse de uma “compensação” para que a popularidade do governo não continuasse caindo. Foi assim que o ministro anunciou “a maior reforma da renda de nossa história”, afirmando que estava “honrando os compromissos assumidos pelo presidente Lula” e prometendo que, “com a aprovação da reforma da renda, uma parte importante da classe média, que ganha até R$ 5 mil por mês, não pagará mais Imposto de Renda” – uma promessa que, no entanto, ainda levará muito tempo para se tornar realidade, como afirmou o próprio líder do PT na Câmara dos Deputados.
Que a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física está severamente defasada há muitos anos é um fato – segundo a Unafisco, a defasagem acumulada entre 1996 e 2024 varia de 125% a 167%, dependendo da faixa de renda. Cada ano sem a devida correção pela inflação corresponde a um aumento de impostos na prática, algo que a Gazeta do Povo tem criticado já há muitos anos. Mas Lula e Haddad conseguiram a proeza de arruinar algo que, em outras condições, seria elogiável. Primeiro, porque ainda não está claro se haverá, de fato, uma correção também para as demais faixas de renda, onde a defasagem é maior; segundo, porque, apesar das promessas de Haddad, há sérias dúvidas sobre a capacidade de a arrecadação perdida com a ampliação da isenção, estimada em R$ 45 bilhões, ser integralmente compensada pela cobrança adicional proposta para quem recebe acima de R$ 50 mil mensais e por outras reformas no IR. Isso significa que, no fim, a nova isenção jogaria contra a saúde fiscal do país.
O mercado financeiro reagiu antes mesmo do anúncio de quarta-feira, pois ao longo do dia 27 já circulavam informações sobre o pacote de Haddad. O dólar disparou de R$ 5,81, no fechamento de terça-feira, para R$ 6,00 no fechamento desta sexta-feira, tendo chegado a R$ 6,11 ao longo do dia. Como nada que acontece de errado no país é culpa de Lula ou do PT, o ministro Rui Costa e a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, colocaram a culpa do derretimento do real no suspeito de sempre: o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Mas o movimento não tem nada de “especulação”, como afirmou a deputada: é a constatação de que as medidas são pífias diante do tamanho do problema fiscal brasileiro. Curiosamente, Costa afirmou também que “o chamado mercado não é composto de pessoas desinformadas, de pessoas que se influenciam pela manchete. O chamado mercado tem assessoria técnica, tem muita gente trabalhando para ele e conhece as medidas”; se prestasse mais atenção do que diz, talvez o ministro encontrasse nas próprias palavras a explicação para “o mercado” seguir desconfiando do Brasil e exigindo juros cada vez maiores para emprestar dinheiro ao país.
O Brasil precisava que seu governo reduzisse despesas; em vez disso, ganhou medidas que apenas freiam ligeiramente a velocidade de aumento da gastança, e uma potencial queda abrupta na arrecadação. A inflação já corre acima da banda de tolerância, e algumas instituições financeiras já elevam suas projeções para a próxima reunião do Copom, em meados de dezembro, prevendo uma elevação de 0,75 ponto na Selic em vez de 0,5 ponto. Não surpreende, se considerarmos que o pacote de Haddad até veio, mas o corte de gastos, este continua previsto para o Dia de São Nunca.
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